Diálogo com o Islão tem de chegar mais longe

Patriarca de Lisboa rejeita cedências quanto a «valores fundamentais» O Cardeal-Patriarca de Lisboa acredita que é possível ir mais longe no diálogo com o mundo islâmico, mas defende que não pode haver cedências em “valores fundamentais”. “Não podemos ceder, em nome do entendimento, quanto a valores fundamentais que são os da nossa civilização e os da nossa convivência”, assinalou, num encontro com os media, no início do ano pastoral. D. José Policarpo disse que seria um “erro de perspectiva” centrar os problemas da humanidade de hoje na relação entre cristãos e muçulmanos, do qual “pagaríamos caras consequências”. “Um dos perigos é criar clubes, com uns e outros de cada lado. A História mostrou e está a mostrar que isso não dá resultado”, observou. O Cardeal-Patriarca lamentou casos de falta de liberdade religiosa em países muçulmanos – onde a conversão ao Cristianismo pode custar a própria vida -, afirmando que o respeito pela liberdade de consciência “é um passo de gigante que o mundo islâmico pode dar para se harmonizar em ordem a um mundo pacífico”. Falando esta terça-feira, no Mosteiro de São Vicente de Fora, D. José Policarpo assegurou que é preciso “dar o passo seguinte” apostando no debate cultural. “A cultura cristã não é só o que diz a Bíblia ou o Magistério, mas também dois mil anos de aquisição cultural; o Islamismo de hoje não pode só repetir o Corão no diálogo connosco, há toda uma tradição de aquisição cultural que é um ponto de partida possível para um debate académico e para respostas à humanidade”, sustentou. Para o Patriarca de Lisboa, há pólos potenciadores de uma mudança, como “a democracia e a liberdade, a consciência da dignidade da mulher muçulmana e o respeito pela identidade dos outros”. No “universo muito diferenciado do Islão”, a situação particular no Irão foi referenciada pelo Patriarca de Lisboa, para quem a “política imediata” relativamente à crise do nuclear não deve fazer esquecer que o país, “de cultura persa e não árabe”, poderá “ser diferente, sob o ponto de vista da base cultural”. Ir além Apesar de não comentar as reacções dos muçulmanos à intervenção do Papa Bento XVI na Universidade de Regensburg, D. José Policarpo saudou as “reacções de fundo do Ocidente”, qualificando-as como “muitas das coisas mais interessantes que o debate deste tipo teve nos últimos tempos”. Este “problema velho de civilização” deve ser enfrentado em várias frentes, a começar pelo “diálogo de simpatia entre pessoas, estabelecendo uma compreensão humana e de respeito mútuo”. Para o Patriarca de Lisboa, esta etapa “não é suficiente”, pelo que é necessário apostar “no debate cultural”, entre os que têm responsabilidade de liderança, sobre “aquilo que têm em comum e que lhes permite entenderem-se, o caminho da inteligência, da razão”. “A religião, se não for aprofundada no universal humano, acaba por separar, porque é uma coisa que a pessoa tem muito no coração, na sensibilidade, na afectividade”, alertou. Nesse sentido, D. José Policarpo considera “urgente” estabelecer o debate mundial entre “pessoas da cultura, intelectuais, universidades, escolas teológicas e correntes de opinião”. O caminho, frisou, “é possível, mas muito difícil”. Em defesa do Papa, o Patriarca assinala que a proposta que este apresentou é a de “ir além”, não colocando em questão a amizade ou o desejo de diálogo, mas pedindo que se de dialogue “mais profundamente”. D. José Policarpo saudou a reacção da Comunidade Islâmica de Lisboa, referindo que a fez chegar ao Cardeal Paul Poupard, presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso. “Temos colaborações há muito tempo, inclusivamente em sectores estratégicos. Já estamos acima do nível só da simpatia e é possível ir mais longe, colocando as pessoas a reflectir profundamente com a cultura adquirida”, indicou. A presença muçulmana em Portugal está ligada, sobretudo, à população imigrante, mas há um “número residual de conversões”, como referiu o Cardeal-Patriarca. A esse propósito confessou que lhe faz “impressão, como cristão convicto, ver que alguém mude do Cristianismo para o Islão, mas admito perfeitamente que uma pessoa fosse cristã baptizada em pequena e que nunca tenha captado a beleza do Cristianismo, sendo atraída por qualquer coisa no islão”. “Essa possibilidade de conversão num país de cultura e tradição cristãs dá aos muçulmanos o benefício de liberdade de consciência que as nossas democracias respeitam”, vincou. Imigração, outro desafio para a Europa O Patriarca de Lisboa comentou ainda os problemas da imigração, “um dos desafios mais graves” que hoje se colocam no Velho Continente. A União Europeia, disse, “não pode funcionar como uma fortaleza fechada em relação ao resto do Mundo”. “A abertura à universalidade foi sempre uma das características da Europa. Os imigrantes que chegam são uma prova real e tremenda”, precisou. D. José Policarpo classificou como “tímidas” as políticas da UE, lamentando que os países que estão num maior confronto com o drama dos ilegais seja deixados “sozinhos” na gestão do problema. Por isso, espera que as políticas não se limitem ao nível da política de acolhimento aos prófugos, “mas também de ajuda ao desenvolvimento e diálogo com as comunidades de onde vêm os imigrantes, para criar esperança no sítio onde estão e impedir que venham”. Neste âmbito, recordou a visita que fez a Angola nas férias: “Eles não imaginam o que é viver na Europa, mas o pior é que nós imaginamos como é viver lá”. Este “confronto” entre o mundo dos pobres e o dos ricos, fomentado pelo processo da globalização, precisa de “políticas abertas à responsabilidade histórica da Europa em relação ao resto do mundo”.

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Agência ECCLESIA

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