Diálogo com a cultura não é confortável

Tolentino Mendonça, director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, fala dos caminhos que a Igreja pretende percorrer neste campo

Em entrevista à ECCLESIA, o Pe. Tolentino Mendonça, director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (SNPC), fala dos caminhos que a Igreja pretende percorrer depois do impacto provocado pela visita de Bento XVI ao nosso país, particularmente o encontro de 12 de Maio, no Centro Cultural de Belém.

Agência ECCLESIA (AE) – Depois do encontro com Bento XVI, vai haver oportunidade para retomar os laços criados com os agentes da cultura em Portugal?

Tolentino Mendonça (TM) – Neste momento, o nosso episcopado está a envolver toda a Igreja numa reflexão sobre o modelo pastoral de conjunto e nessa reflexão percebe-se que a cultura ganha um espaço prioritário na acção e na atenção da Igreja.

Isso reflecte o trabalho que foi sendo feito até este momento, por vários interlocutores, e reflecte também uma visão da Igreja no seu conjunto, bem como aquele elan do Espírito que foi o encontro do Papa com o mundo da cultura no Centro Cultural de Belém

É preciso aproveitar esse elan e ver se, de facto, é desta que vamos lá, no sentido de a Igreja portuguesa a ter uma projectualidade cultural que se traduz numa multiplicidade de presenças.

Hoje falar de cultura não é apenas falar dos âmbitos artísticos, é falar daquilo que move a vida dos nossos contemporâneos, daquilo que os apaixona e daquilo que os magoa, falar no fundo do horizonte antropológico em que nos inscrevemos.

A verdade é que os modelos pastorais tradicionais da Igreja tinham diante de si um homem e uma mulher diferentes daquilo que são hoje os portugueses. Mesmo nesta visita papal, o tipo sociológico de pessoas que estava presente no Terreiro do Paço, a comunidade cristã, é muito diferente do da primeira visita de João Paulo II (1982, ndr), em que o Portugal era ainda rural, com características que hoje não continuam.

A Pastoral da Cultura ganha um papel de pivot, no sentido de fazer pontes, facilitar encontros, dar a conhecer, gerar presenças, abrir portas, dar à Igreja um elemento que é sempre fundamental, o ser especialista em humanidade.

Há dinâmicas eternas no coração do homem, mas há muito que depende da cultura e do tempo.

 

AE – A Igreja continua a ser necessária para que a linguagem do mundo da cultura ganhe um sentido?

TM – Criou-se um espaço confortável, cómodo, de silêncio, porque quando estamos parados, ninguém faz perguntas a ninguém, não se é questionado nem se questiona. Criou-se uma espécie de pacto de silêncio” entre a Igreja e a Cultura que se tornou insustentável, porque nos conduz a um afastamento progressivo da própria realidade.

Corremos o risco de estar a pregar e a utilizar uma linguagem, um conjunto de representações que hoje já não tocam, não são sequer perceptíveis, não se compreende o discurso. Nesse sentido, é preciso um grande esforço de tradução.

A tradução passa por a Igreja acolher, também, as novas linguagens, criar uma cultura de hospitalidade. Não tem de haver uma coincidência total com o que é o ideário e a experiência da Igreja para poder existir diálogo, porque este supõe o caminho, a progressividade, a diferença.

 

AE – Estando diante de outros tipos de linguagem, haverá situações em que o diálogo se faz a partir de discordâncias…

TM – Se a Pastoral da Cultura avança tão lentamente na Igreja portuguesa, é porque ela é desconfortável.

Desconfortável porque nos obriga a sair de nós mesmos, a pensar nos que não estão, nos que não fazem parte, obriga muitas vezes a estar em silêncio e escutar. No fundo, a criar uma cultura de atenção e de acolhimento, que nem sempre existe na pressa, nos agendamentos, na urgência daquilo que temos para fazer, esquecendo aquilo e aqueles que temos diante dos olhos.

Uma pastoral da cultura obriga a ler a realidade mais fundo e mais longe, nesse sentido ela é incómoda e é também profética.

Deus é uma questão que interessa a crentes e não crentes, nos quais também há uma ética, os crentes não têm um monopólio da ética.

O que nós precisamos é de nos escutarmos mutuamente, a Igreja tem de ser motora desse diálogo. Isso é desconfortável porque exige um confronto, na cordialidade, mas que é sempre um confronto, que nos faz crescer, amadurecer, dá uma outra complexidade ao nosso próprio caminho de fé.

Uma das notas das mensagens do Papa em Portugal foi sublinhar a importância da beleza, que a Igreja precisa de redescobrir.

É a beleza que nos atrai para a verdade e a caridade, para o bem. A beleza é aquilo que cria a ferida no coração do homem que desperta o desejo, que deseja a emoção

Nós vivemos uma estação de teologia e de fé talvez demasiado racionalista, a falar à razão e digamos à parte mais dogmática da fé e da sua verdade. Esquecemos este lado mais emocional, tocar as pessoas pela beleza, congregar, porque a beleza tem em si uma universalidade que aproxima.

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Agência ECCLESIA

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