Deus falou-nos por seu Filho

Homilia de D. Jorge Ortiga na Solenidade do Nascimento de Jesus Cristo

E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós.

Nós vimos a sua glória,

glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito,

cheio de graça e de verdade.

 

Alegremo-nos todos porque o mensageiro da paz vem sobre as cidades e as aldeias do nosso tempo trazer a Boa-Nova e proclamar a salvação. Desde o início da criação Deus preparou o seu povo para tão belo acontecimento. No princípio fez brilhar a luz sobre o nada, o vazio, ao criar o mundo com dinamicidade. Respeitando o curso do tempo revelou a sua Aliança a Abraão, renovou o seu projecto com Moisés, apresentando-se “Eu sou o que sou” (Ex 3, 14), “Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo” (Jr 7,23). Promessa de Deus não adiada mas a concretizar no tempo próprio!

Mas este projecto de aliança para a humanidade só agora iniciava. A sua gestação precisava de maturação. A salvação da corrupção da morte e das trevas precisava de profetas credíveis para anunciarem o Messias. Então Deus escolhe alguns homens profetas para anunciarem o Perdão e a Paz e denunciarem as potências que oprimem injustamente os povos. Na segunda leitura, da Carta aos Hebreus, escutávamos: “Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho, a quem fez herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo”.

Entre a Anunciação e a Visitação, Deus operou a grande maravilha da história da salvação. João Baptista, o Precursor, após ter preparado o seu povo para a vinda do Messias, retirou-se e deixou brilhar o Verbo, Jesus o Filho Primogénito. O anjo saúda Maria para lhe anunciar a nova Aliança de Deus com a humanidade que ela transportará no seu seio com exultante alegria. O Deus-connosco revelou-se de modo definitivo em Jesus Cristo, com quem estabeleceu uma relação paternal e filial: «Eu serei para Ele um Pai e Ele será para Mim um Filho?». O Evangelho de hoje responde: A Deus, nunca ninguém O viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer”. Já não é uma Aliança com um povo abstracto é a filiação amorosa com o Filho, o Verbo que desde a criação estava em gestação, nasceu, morreu e ressuscitou continuando a sua luz a brilhar no rosto da Igreja. Como? Na medida em que cada cristão se faz sentinela da Paz e do Amor fraterno para com Deus e para com os irmãos.

O Nascimento de Jesus, a Palavra que era Deus e estava com Deus, inaugurou uma nova era. O Natal adentra-nos na beleza da incarnação de Deus, que envia o seu Filho ao mundo, tornando-O homem entre os Homens para salvar a humanidade. À luz da Palavra o cristão não pode deixar-se vencer pelas profecias apocalípticas que assolam o momento actual. Não é tempo de lamentações nem queixumes quando temos tudo ao nosso alcance para fazer do mundo um lugar de beleza, de recriar a nossa identidade humana à luz de uma nova síntese entre antropologia e ecologia, que garanta a habitalidade do nosso planeta. Que nos adiante falar de progresso humano se muitos continuam mergulhados na fome e na miséria? De que valerá apostarmos na humanização da economia se continuamos a explorar obstinadamente os bens naturais em favor de uma minoria? Como poderemos salvar-nos se continuamos a autodestruir-nos com base em perseguições políticas e religiosas? Olhando à volta só Deus nos poderá salvar porque incarnou na história e nos humanizou. O Homem não se humaniza a si mesmo, precisa do amor e do perdão de Deus para se reencontrar na história da vida.

O Nascimento de Jesus no Presépio de Belém desafia-nos a abrir caminhos novos, com todos os Homens de boa vontade, que queiram encetar mudanças globais e incluir a pobreza evangélica como uma forma possível de autêntica felicidade. Pobreza que reconhece a riqueza como dom, digna de ser partilhada com toda a comunidade e colocada ao serviço do bem comum. Não podemos ficar indiferentes à res publica e à gestão dos nossos bens nem exercer somente a nossa cidadania com o voto secreto nas eleições. A democracia exige diariamente a nossa intervenção nos locais onde vivemos, uma cidadania co-responsável ao nível social, económico, cultural, político, religioso e ambiental.

O Natal, símbolo da pobreza de um menino nascido em Belém mas rico de amor e beleza universal, suscitou perplexidade ao rei Herodes, e continuará a suscitar medo àqueles que vivem obstinados pela vontade de poder. Ter consciência presente do tempo é não ter medo de dar voz àqueles que vivem à margem da vida social. É dizer que é possível transformar a realidade pela conversão pessoal à fraternidade e ao amor. Por isso, a esperança cristã não adia o mundo novo que pode surgir já hoje. O apelo de Isaías realiza-se nos “pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa nova, que proclama a salvação” em cada tempo e lugar. É nessa medida que a Igreja de Braga quer agradecer às Instituições e pessoas que dão voz e rosto à esperança e ao amor que vem de Cristo:

 – Às Mesas Administrativas de tantas Instituições Particulares de Solidariedade que, quotidiana e gratuitamente, se colocam ao serviço da humanização da vida dos mais carenciados.

 – Aos trabalhadores dessas Instituições que vivem em verdadeira vocação de serviço, dedicação e solicitude.

 – Aos numerosos grupos de acção sócio-caritativos e movimentos eclesiais que, no silencia da acção, mostram o amor e a luz de Cristo àqueles que vivem à margem da sociedade.

 – Aos voluntários e voluntárias que se deixam interrogar pelas exigências do bem comum em detrimento das comodidades pessoais e acreditam que vale a pena dar-se pelos outros. Que esta força voluntária cresça no próximo Ano Europeu do Voluntariado, como testemunho de vida contracorrente à indiferença social. A Igreja bracarense pede a todos os grupos de jovens que se mobilizem e se organizem em grupos de voluntariado prontos a percorrer as ruas das nossas cidades e aldeias para levarem a Boa-Nova de Cristo redentor a todos os homens.

E se todas estas pessoas e Instituições de intervir por algum tempo na sociedade? Que aconteceria à vida de tanta gente? Nem sempre a sociedade valoriza o valor humano e espiritual daqueles homens e mulheres que no anonimato são mensageiros da alegria e da esperança de Cristo Jesus.

O Natal vivido na sua profundidade interior faz-nos parar diante do frenético barulho e do ruído comercial. O verdadeiro Natal, preparado e vivido em comunidade crente, ajuda-nos a dar graças pelas maravilhas da criação e a suscitar beleza e esperança junto daqueles que vivem mergulhados na superficialidade e na materialidade da vida. Não esqueçamos, como cristãos, que o Natal não são as prendas, o simples encontro social entre famílias, o desejo desenfreado de boas festas a tudo e a todos, de SMS de mensagens automáticas. Não. O Natal é a história da salvação de cada um, de encontro com Deus no rosto amigo do nosso próximo, é a celebração alegre de um Menino-Deus que continua a nascer na nossa humanidade, que se traduz em gestos geradores de vida em cada coração humano. No meio da azáfama da vida não esqueçamos que o Deus-Menino nasceu nos nossos corações! Com Ele e por Ele caminharemos na esperança continuando a “aclamar o Senhor, nosso Rei, ao som da cítara e da lira, ao som da tuba e da trombeta”.

Que Santa Maria, a Mãe de Deus e nossa Mãe,

Nos ajude a viver da Palavra de Deus em todo

o tempo e lugar.

Catedral de Braga, Solenidade do Nascimento de Jesus, 25 de Dezembro de 2010,

† Jorge Ortiga, A.P

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