Eugénio Fonseca, presidente da Caritas Portuguesa
Desenvolvimento local, caridade global foi o tema que congregou cerca de meio milhar de representantes da ação social da Igreja, em particular da que se realiza a nível das paróquias, durante três dias, em Fátima.
Foi muito rico o contributo dos preletores convidados e bastante pertinente algumas das questões colocadas pelos participantes. Realço algumas das que mais me fizeram pensar: a necessidade de recuperar o sentido do “cuidar”, intrínseco à caridade, e o da “política”, indissociável da santidade!… Não há política cristã, mas tem de haver cristãos políticos! Se o Amor for verdadeiramente político, ele não se pode demitir da ação, baseado em 4 grandes princípios, tão valorizados pelo Beato João XXIII, como são a verdade, a justiça, a caridade e a liberdade; as relações sociais são leves, inconstantes e fluidas, sem terreno sólido onde se possa construir uma sociedade sem classes; o caminho da solidariedade conduz-nos, numa sobriedade reencontrada, a novos estilos de vida. A sobriedade abre-nos aos outros mas não se reduz a simples renúncias: exige novos modos de viver, através do bom uso dos bens económicos, do tempo e do respeito pela Criação; Uma sociedade sem fronteiras tem aspetos positivos (concentração das instituições a vários níveis) e negativos (as novas formas de pobreza, da solidão à xenofobia e marginalização do estrangeiro). É, portanto, na cidade que mais se faz sentir a necessidade de uma política e instituições renovadas. É preciso que a solidariedade seja política e económica, seja caminho político da caridade; rezar, significa tomar consciência de que o sentido do mundo está fora do mundo; todo o cristão é chamado a viver a fraternidade como um ato de fé e, para isso, deve inserir-se na política ativa.
No final do Encontro foi distribuído um documento da Comissão Episcopal da Pastoral Social intitulado “Serviços paroquiais de ação social para uma cultura da dádiva – Indicações práticas” (que nenhum pároco e agente da pastoral social o deixe de ler). Trata-se de um conjunto de orientações, bem fundamentadas na dimensão profunda e estrutural de cada comunidade eclesial, que pretende “estimular a congregação de esforços e motivar à ação todas as comunidades, dispostas para a melhoria dos seus serviços”, não dispensando, desde logo, a existência de um Serviço Paroquial de Ação Social em cada Paróquia. Só assim se conseguirá “refletir sobre o tratamento mais adequado para enfrentar os problemas (…); dar resposta pronta à verdadeira realidade observada atem-padamente; desenhar ações de desenvolvimento local, capazes de encontrar soluções consistentes; unir esforços para uma intervenção sistemática junto dos centros de decisão, sempre a começar do mais próximo para o central”.
Se cada Paróquia conseguir acolher estes desafios está garantido que a reflexão realizada durante o 27.º Encontro Nacional da Pastoral Social, promovido com grande competência pela Comissão Episcopal da Pastoral Social, produzirá frutos e não será, como muitos dos anteriores, um tempo de encontro sem consequências efetivas para a prática da justiça e da caridade em ordem à construção de um Mundo Novo.
Para enfrentar os reptos lançados, espera-se que as paróquias sejam capazes de: animar a ação social na paróquia, envolvendo toda a comunidade cristã e não só; recolher com discrição e precisão dados sobre a realidade a partir do atendimento social; cooperar na procura de soluções para os problemas das pessoas que a paróquia acompanha, com as várias diligências necessárias, envolvendo outras entidades públicas e privadas, o que implica partilha de responsabilidades e parcerias com as comunidades locais donde devem brotar os projetos de intervenção criativas, procurando alterar mentalidades e desconcentrando o poder com exigências de responsabilização e transparência; participar nos processos de desenvolvimento social local, criando comunhão entre os grupos socialmente desfavorecidos, acompanhando a promoção das famílias; avaliar periodicamente a ação do grupo; refletir sobre os casos e problemas sociais e, se necessário, sugerir medidas políticas; formar os agentes da pastoral social, incluindo os voluntários, em ordem a desempenharem com qualificação evangélica e abertura profissional, as suas funções humanitárias. Deverá atender-se, no plano de formação, a aquisição de conhecimentos aplicados seja da Doutrina Social da Igreja seja do papel do laicado na Igreja e na sociedade, bem como a sensibilização para o entendimento das doutrinas económicas e sociais e das ideologias subjacentes. (Cfr Serviços Paroquiais de Ação Social para uma cultura da dádiva, CEPS, 2011).
O futuro está nas mãos de uma humanidade solidária que, procurando harmonizar o global e o local, seja capaz de globalizar a justiça, a paz, os direitos humanos e o desenvolvimento, afirmou o cardeal Tettamanzi, durante o Encontro.
As mais de quatro mil comunidades paroquiais têm particulares responsabilidades na construção deste futuro. Que de braços levantados para Deus, ou seja com a consciência de que o sentido do mundo está fora do mundo, antecipemos, através de uma prática ativa da caridade na verdade, a experiência do Reino que nos está preparado desde a criação do mundo.
Eugénio Fonseca, presidente da Caritas Portuguesa