Democracia em perigo na Venezuela

Entrevista a Dom Baltasar Porras, vice-presidente do CELAM Numa entrevista à Agência Zenit, D. Baltasar Porras, ex-presidente da Conferência Episcopal da Venezuela e actual primeiro vice-presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), lançou uma alerta sobre as ameaças à democracia, ao que se chama de ideologia socialista-bolivariana. D. Baltasar, Arcebispo de Mérida, capital do estado de Mérida – no nordeste da Venezuela, a 1.600 metros de altura –, encontra-se actualmente em Roma para visitar Bento XVI, com a presidência do CELAM. O presidente venezuelano propõe uma reforma constitucional em 30 artigos, aos que a Assembleia Nacional acrescentou outros 30; tudo isso será objecto de um referendo que suscita fortes reacções. Em que consiste e por que tanta preocupação? D. Baltasar: Podemos dizer que o que será submetido a referendo não é uma revisão da Constituição, mas uma nova Constituição que, de facto, confere praticamente plenos poderes ao presidente e ao governo, expropriando, apesar das aparências, os espaços de participação do povo. Também as propostas podem ser aceitas ou rejeitadas só em bloco e não selectivamente, impedindo assim qualquer discernimento entre os diversos artigos. Um recente documento da Conferência Episcopal da Venezuela (CEV), expressa uma forte preocupação sobre a proposta de reforma, chegando a defini-la como «moralmente inaceitável». O senhor poderia comentá-lo? D. Baltasar: As recentes declarações da Igreja, tanto da hierarquia como das comunidades religiosas e laicas, são bem acolhidas e agradecidas pelo povo, que percebe a posição de defesa dos direitos de todos, e não só de quem tem o poder e actua com a força. Os bispos em especial definiram como «moralmente inaceitável» esta proposta por quatro razões: porque mais que uma reforma, fragiliza a tutela dos direitos humanos, aumentando a falta de credibilidade do Governo, pede a votação de 60 artigos agrupados em dois blocos o que impede toda eleição selectiva, limitando de fato a liberdade de expressão da vontade popular e porque a campanha eleitoral é fortemente manipulada, prevê possibilidades muito diversas de informação entre propaganda governamental, oposição e sociedade civil. A agência France Presse (AFP) deu recentemente uma notícia de uma manifestação, definida como de massa, a favor do Governo. O que pode dizer sobre isso? D. Baltasar: Deve levar-se em conta que a participação, nas manifestações promovidas pelo Governo, é obrigatória para todos os empregados públicos, aos que asseguram a disponibilidade de meios de transporte, proporcionando também alimentação e reconhecendo aos participantes uma «indemnização» económica. Tudo isso porque o que interessa ao Governo é o efeito nos media, perseguido através dos principais meios de informação. As condições para a oposição são muito diferentes: deve enfrentar dificuldades logísticas de vária ordem, e as possibilidades de informação são muito mais limitadas. A agência Associated Press (AP) fala de uma manifestação pacífica para pedir ao Tribunal Supremo que prorrogue o tempo disponível para informar sobre o texto e difundir os motivos de oposição. A manifestação desenvolveu-se pacificamente, mas na área universitária, houve graves ataques por pessoas, estudantes…, armados e apoiados por elementos próximos do Governo. Quais são suas considerações? D. Baltasar: É verdade. Hoje, na Venezuela, há muita gente armada, a polícia assegura impunidade, e isso aumenta a insegurança e o medo. A violência suscitada por infiltrações na área universitária justifica a intervenção do Governo contra a autonomia da Universidade. Duas expressões do serviço informativo da AP são preocupantes. A primeira afirma que o resultado positivo do referendo iria enfraquecer as liberdades civis; a segunda fala do risco de arrastar a Venezuela numa aventura que ninguém deseja. D. Baltasar:Enfraquece os direitos civis porque limita as liberdades e aumenta a falta de credibilidade do poder: quem não é socialista-bolivariano não é um bom venezuelano e, portanto, pode ser perseguido. Também a experiência comunista de Castro é-nos estranha, por isso ninguém assegura aventuras deste género; as posições que se remetem ao Che Guevara são percebidas como violência e injustiça. Se o referendo tivesse resultado positivo, quer dizer que a maioria do povo está com Chávez e compartilha das suas propostas, logo deveria aceitar-se uma eleição democrática. O senhor compartilha esta afirmação? D. Baltasar:Não, não seria de qualquer forma uma eleição democrática. Basta pensar que 80% do tempo na rádio e televisão está dirigido pelo poder actual, enquanto apenas 20% do tempo, obviamente nos horários de menor audiência, pertence à oposição. Há outro grave problema que se refere ao acompanhamento sério e independente da campanha eleitoral, insubstituível função de controle para garantir a democracia, que devemos reconhecer que falta na Venezuela. É preciso reconhecer também que a oposição está dividida e não é capaz de fazer uma proposta única. As alternativas propostas vão desde a abstenção à participação com voto contrário, mas isso cria incerteza. Devo dizer que, para o nosso país, lamentavelmente, não vejo um futuro de pacificação, mas de contrastes, um futuro de conflito. O comunismo de Castro não faz parte do panorama que o povo venezuelano deseja. A situação que nos descreveu influência a vida da Igreja e das comunidades cristãs do país? Como? D. Baltasar:O resultado imprevisível desta situação pede um forte sentido de unidade dentro da Igreja, e entre a Igreja Católica e outras confissões. Esperavam dividir a Igreja por dentro e, ao contrário, apesar de poucos sacerdotes que fazem muito barulho na rádio e na televisão, bispos, sacerdotes e leigos estão muito unidos e solidários. Enquanto uma pequena minoria de cristãos é partidária do Governo, em aspectos de defesa da liberdade, direitos humanos, paz interna e externa, produz-se uma grande consistência, sublinhada por um aumento de vocações e conversões. Tudo isso acontece enquanto contamos cerca de 200 assassinatos todas as semana, sem contar a prisão de reféns, intimidações, etc., com a conivente indiferença do poder.

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