Deixar-se acolher pelo outro e acolher o outro

Padre António Leite, svd, missionário Verbita

Fui acolhido durante dez anos em cidades e aldeias, na planície e na montanha, por rostos com traços europeus ou indígenas, todos eles argentinos. É isto, e tudo o que está no antes, durante e depois que me leva a falar de deixar-se acolher pelo outro e acolher o outro. Neste processo, descubro o dinamismo da encarnação. Jesus deixa-se acolher por uma mãe, uma família, um povo. E os evangelhos vão-nos mostrando como Jesus acolhe e continua a deixar-se acolher.

O missionário na América Latina, para o ser, não poderá fugir deste processo. Deixar as suas seguranças e deixar-se acolher (não é a mesma coisa andar ao ritmo das pessoas na grande cidade ou sentindo a escassez de oxigénio na montanha a quatro mil metros de altitude!). Deixar-se acolher é aprender que é realmente o outro a marcar o ritmo do caminhar! E este outro pode apresentar-se com rosto europeu, negro ou indígena. E este outro pode convidar para um churrasco, tomar uns mates ou simplesmente partilhar a folha de coca.

O missionário na América Latina, para o ser, terá de acolher à maneira de Jesus. Só o amor que transforma a sua própria vida poderá ajudar a transformar os corações daqueles a quem é enviado. Recordo que um dos animadores de comunidade, depois de três anos (três anos!), uma noite junto à lareira, dizia-me que também ele fazia algumas práticas que, supostamente, não eram bem vistas pela Igreja. Quando lhe perguntei as razões pelas quais me dizia isso, e só passados três anos partilhava isso comigo, foi-me dizendo que agora (naquela altura), depois desse tempo, eu já seria capaz de o entender! Um exame de três anos!

Sempre me causa alguma admiração quando alguém com meses, semanas ou dias já é capaz de escrever tantas coisas e com tantas certezas de povos que nos acolhem!

Acolher na América Latina passa por comungar com o barulho das grandes cidades, a força das florestas, o silêncio das grandes altitudes, o cheiro da terra fértil, a areia que se abraça a todo o nosso corpo nas extensões dos desertos. Acolher passa pela respiração de outros ares teológicos, pelo sentir o grito dos sobrantes da sociedade, tal como há anos afirmava Jorge Bergoglio, cardeal de Buenos Aires.
Deixar-se acolher e acolher… um caminho, uma escola, um voltar a nascer, uma vida em mundos diferentes que se apresenta na força e na fragilidade da proposta de um Amor que transforma a quem recebe e a quem dá.

Padre António Leite, svd
missionário Verbita

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