Comissão Nacional Justiça e Paz organiza audição pública para olhar directamente para o fenómeno da pobreza É este o tema escolhido para a Audição Pública que a Comissão Nacional Justiça e Paz leva a efeito no próximo dia 8 de Novembro, com o apoio de cerca de duas dezenas de outras entidades, igualmente empenhadas na erradicação deste terrível flagelo que, cada dia, continua a afectar, em todo o Mundo, muitos milhões de seres humanos. Em Portugal, estima-se que esse número andará pelos dois milhões ou seja 18% da população residente no nosso País (dados reportados a 2005, os últimos disponíveis!). Falar de pobreza é falar de fome, morte antes de tempo, doença sem tratamento, falta de habitação condigna, insuficiente acesso à educação e ao conhecimento, insegurança, perda de liberdade, ausência de projecto de vida e horizonte de futuro. É também, tantas vezes, falar de estigma social, segregação social, perda de auto-estima, falta de afecto e desafiliação social. Nunca, como hoje, a Humanidade, no seu conjunto, dispôs de tantos recursos materiais, de conhecimento e tecnologia, de organização e informação, o que torna ainda menos tolerável que tais recursos não sejam empregues, com prioridade absoluta, na satisfação das necessidades básicas de todos. Exige-o a dignidade da pessoa humana. Reclamam-no também a prossecução de objectivos de desenvolvimento sustentável e a construção de sociedades dotadas de coesão social, bases de sustentação de uma paz duradoura. Trata-se de um desafio que questiona os fundamentos em que assenta a economia contemporânea e, nomeadamente, o sistema financeiro que a alimenta e, obviamente, remete para o poder político e as opções em matéria de política pública que venha a fazer. Interpela, igualmente, as próprias empresas e seus dirigentes na sua qualidade de actores sociais relativamente ao seu desempenho de responsabilidade social. Desafia a sociedade civil como um todo e requer organizações de intervenção social à altura de uma cidadania responsável. Pelo lugar que ocupa na sociedade e a missão profética que lhe foi confiada, a Igreja tem de estar na linha da frente deste combate pela erradicação da pobreza. Em primeiro lugar, através do empenhamento, lúcido e corajoso, dos próprios cristãos e a sua presença na economia, na sociedade ou na política, mas também através do testemunho das obras que realiza para prevenir e erradicar a pobreza. Nas condições actuais de desenvolvimento e abundância de bens, a pobreza é uma violação de direitos humanos – direitos de liberdade, cidadania e participação, como também, direitos económicos e sociais, indissociáveis dos primeiros. Em Resolução de 3 Julho último, a Assembleia da República declarou, por unanimidade, que a pobreza conduz à violação dos direitos humanos. Gostaria de ter visto uma afirmação mais firme, ou seja a declaração inequívoca de que a pobreza é violação de direitos humanos, tal como era solicitado na Petição que esteve na origem daquela Resolução e foi subscrita pela Comissão Nacional Justiça e Paz tendo recolhido mais de 23 mil assinaturas. Ainda assim, não podemos deixar de assinalar o alcance da posição tomada por este Órgão de Soberania, pois ela abre caminho a níveis mais exigentes de empenhamento político e, de algum modo, aponta também à sociedade civil horizontes de uma cultura de maior justiça e solidariedade. É neste contexto que vai realizar-se a Audição do próximo dia 8 de Novembro. Desejamos que ela sirva para dar voz aos próprios pobres, que seja espaço para que possam expressar-se e, por outro lado, para que os não-pobres possam escutar os testemunhos do que significa ser pobre, como se chega e por que se chega a situações de pobreza e como é que os pobres olham para as saídas possíveis (ou impossíveis!) que se lhes deparam para vencer a pobreza. Queremos acreditar que, escutando a voz dos pobres, se desvanecerão alguns preconceitos enraizados na mentalidade dos portugueses que estigmatizam os mais pobres, sustentam atitudes e comportamentos de falta de justiça e equidade e estão na origem de posições de aversão a políticas sociais mais ambiciosas. Com esta Audição queremos ainda abrir caminho a que pobres e não-pobres se reconheçam como actores sociais, solidários da construção de um mundo mais justo e mais fraterno onde a pobreza (tal como outrora a peste ou a tortura) só tenha lugar nos compêndios de história, como memória do passado. Manuela Silva, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz