Passados 40 anos do Concílio, o Ano da Eucaristia pode constituir uma importante ocasião para as comunidades cristãs fazerem um exame sobre este ponto (MND 13). «Alimentarmo-nos da Palavra para sermos “servos da Palavra” no trabalho da evangelização: tal é, sem dúvida, uma prioridade da Igreja no início do novo milénio. Deixou de existir, mesmo nos países da antiga evangelização, a situação de “sociedade cristã” que, não obstante as muitas fraquezas que sempre caracterizam tudo o que é humano, tinham explicitamente como ponto de referência os valores evangélicos» (Novo Millenio Ineunte 40). Depois de ler estas palavras do Papa, esperava tudo menos que ele viesse a proclamar, primeiro, um Ano do Rosário, e agora, um Ano da Eucaristia. Até porque o ano jubilar teve a Eucaristia «no centro» e foi vivido «como ano intensamente eucarístico» (NMI 11), apoiado por Semanas e Congressos. Mas, há mais: o Papa foi buscar o título e a estrutura da sua Carta Apostólica “Fica connosco, Senhor” ao episódio dos discípulos de Emaús, exclusivo de Lucas 24,13-35. Ora, com base nisso, a conclusão mais lógica seria ter proclamado um Ano da Palavra e um Sínodo sobre “a Palavra de Deus na vida da Igreja”. Pelas suas palavras transcritas acima, e porque a Palavra precede a Eucaristia: é dela que nos vem a fé (Rm 10,17), necessária para acolher e celebrar o sacramento. Os discípulos de Emaús De facto, os discípulos de Emaús convidam «o divino Viajante» a entrar em sua casa, reconhecem-no na “fracção do pão” e correm a contá-lo aos Onze, porque Ele, antes, lhes abriu os olhos da fé com a interpretação das Escrituras e lhes aqueceu o coração com o entendimento dos mistérios de Deus. Ou seja: sem a luz da fé que nos vem das Escrituras, não podemos compreender o mistério da Eucaristia, nem entrar em comunhão com o Deus-connosco; e, sem isso, não há celebração do sacramento nem vida eucarística. «Quando o encontro se torna pleno, à luz da Palavra segue-se a luz que brota do “Pão da vida”» (nº 2; ver 12 e 14). Aliás, o episódio supõe uma experiência de vida eucarística da comunidade lucana, precedida e acompanhada pelo «ensino dos Apóstolos» e de outros «Servidores da Palavra» (Act 2,42; Lc 1,2) e seguida de solidariedade e partilha e um grande zelo apostólico (Act 4,32-33), de que também fala a Carta (nn. 24, 27 e 28). Mesmo os objectivos mínimos indicados pelo Papa – «reavivar em todas as comunidades cristãs a celebração da Missa dominical e incrementar a adoração eucarística fora da Missa» (nº 29) – supõem esse trabalho de evangelização, prévio ou simultâneo. As duas “mesas” «A Eucaristia é luz antes de mais nada porque, em cada Missa, a liturgia da Palavra de Deus precede a liturgia Eucarística, na unidade das duas “mesas” – a da Palavra e a do Pão» (nº 12). Sublinhei as palavras que reforçam, mais uma vez, tudo o que já disse. Mas vale a pena transcrever o texto do Vaticano II, onde o Papa colheu a referência às duas “mesas”: «A Igreja sempre venerou as divinas Escrituras, como o fez com o próprio Corpo de Cristo, não deixando, sobretudo na Liturgia, de tomar o pão da vida à mesa tanto da Palavra de Deus como do Corpo de Cristo, nem de o distribuir aos fiéis» (Dei Verbum 21). Na altura (18.XI.1965), a Igreja não venerava nem distribuía de igual modo o pão da Palavra e o pão da Eucaristia. E ainda não o faz, hoje. Por isso, aproveitemos a sugestão do Santo Padre: «Passados quarenta anos do Concílio, o Ano da Eucaristia pode constituir uma importante ocasião para as comunidades cristãs fazerem um exame sobre este ponto. De facto, não basta que os textos bíblicos sejam proclamados numa língua compreensível, se tal proclamação não é feita com o cuidado, preparação prévia, escuta devota, silêncio meditativo que são necessários para que a Palavra de Deus toque a vida e a ilumine» (nº 13). Examinar a Palavra no Ano da Eucaristia? «Em tempo propício e fora dele», dizia Paulo (2 Tm 4,2). Um “plano pastoral”? Sem dúvida, João Paulo II é o Pastor universal da Igreja católica. Mas, tal ministério não supõe que ele faça um “plano pastoral” para ser executado em simultâneo por todas as Igrejas particulares e em todas as comunidades concretas, sem atender aos vários ritmos e opções pastorais de cada uma. Até porque estas não podem ser enxertadas de surpresa nem caminhar aos saltos. Se, no nosso meio, há um défice de evangelização que condiciona redescobrir a Eucaristia como fonte de luz e vida, aproveitemos a sugestão do Santo Padre para reforçar a “mesa” da Palavra: – Formar Leitores como formamos Ministros da Comunhão, pois «é o próprio Cristo que fala, quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura» (nº 13). – Preparar bem a homilia, «destinada a ilustrar a Palavra de Deus e actualizá-la na vida cristã» (nº 13). – Criar Escolas Bíblicas e grupos bíblicos, com a pedagogia da “Lectio divina”. – Celebrar o “Dia da Bíblia” ou “Mês da Bíblia” – paroquial, diocesano ou nacional – também com acções públicas abertas ao meio. – Fazer, das Horas de adoração eucarística, momentos de evangelização sobre a Eucaristia. – Cultivar o silêncio e a interioridade. Lopes Morgado, ofmcap. Chefe de Redacção da BÍBLICA