Da convocação à realização do II Concílio Vaticano

«Ninguém naquele momento podia avaliar o alcance de uma tal decisão» sublinha o historiador David Sampaio No dia 9 de Outubro de 1958 falecia o papa Pio XII. Para trás deixava uma Igreja prestigiada, forte, bem organizada e economicamente consolidada. A questão judaica ainda não se colocava. O conclave que se seguiu, com apenas 51 cardeais, elegeu, no dia 28 de Outubro, o patriarca de Veneza, cardeal Ângelo Roncalli que escolheu o nome de João XXIII. A eleição papal, acompanhada pelos novos meios de comunicação social, teve impacto enorme nos meios católicos. A televisão encurtava distâncias e aproximava o espectador do que em Roma se estava a passar. A informalidade, o sorriso constante, as saídas inesperadas do papa para fora do Vaticano cativavam os romanos e entusiasmavam os que de longe acompanhavam essa nova forma de exercer o pontificado. O papado humanizava-se, a Igreja reflectia e vozes inquietas pediam outras formas de ser Igreja e estar no mundo. É neste contexto de início de pontificado que João XXIII, em 1959, no último dia da semana de oração pela unidade dos cristãos, na festa da conversão de São Paulo, 25 de Janeiro, na basílica do mesmo nome, anuncia a celebração de um concílio ecuménico. O mundo surpreendia-se, os teólogos desconcertavam-se; as igrejas locais regozijavam-se; a cúria romana inquietava-se. Ninguém naquele momento podia avaliar o alcance de uma tal decisão. O dinamismo eclesial, por séculos direccionado pelas instâncias romanas, parecia ser agora devolvido à Igreja universal. Importava nesse momento saber dos objectivos a alcançar e a modalidade de celebração ecuménica que se pretendia. De facto, problemas graves de contestação ou desvios doutrinais não se observavam no fim daquela década de cinquenta. Detectavam-se apenas grupos dispersos na Europa central a pedir inovação no campo litúrgico, pastoral e ecuménico; de resto, a sensibilidade conservadora era notória na cúria romana, nos países mediterrânicos e latino-americanos. O que pretendia, de facto, o papa João XXIII? O tempo que medeia entre o anúncio do concílio (1959) e o início da celebração (1962) foi dedicado à preparação e organização do evento. Uma comissão central coordenava os trabalhos. João XXIII, por gestos e intervenções pontuais, ia dando a conhecer os objectivos do concílio. Tudo indicava que os padres a reunir em breve deveriam falar para dentro (Igreja) e para fora (mundo). A linguagem devia ser outra. Uma multiplicidade de sinais (dos tempos) pedia mudança de direcção; na feliz expressão de João XXIII, importava proceder a uma actualização, a um “aggiornamento”. O discurso do papa na abertura do concílio (11-10-1962) condensou linhas programáticas e orientação de trabalho que deveria ocupar os padres conciliares. O texto espelhava um espírito aberto, optimista, universal, digno de um grande acontecimento que se iria iniciar. De facto, o optimismo, a bondade e a simplicidade de um homem, com as responsabilidades do supremo pontificado, eram o início de uma nova era. O discurso inicial podia ter sido desmentido pela dinâmica conciliar que se seguiu. Tal não veio a acontecer. Circunstâncias imprevistas no decurso da 1ª sessão obrigaram a demoras em debates sobre matérias pouco consensuais; o esquema “De fontibus” estava a ser pouco consensual; lentamente, o episcopado universal despega-se de algumas propostas anteriormente preparadas pelas comissões romanas e “agarra” o concílio; importava dar tempo ao tempo para esclarecer doutrina e orientação pastoral. Foi nessa conjuntura que João XXIII intuiu ser necessário evitar pressas desnecessárias pondo em causa os objectivos pretendidos. Ele próprio abandona a ideia inicial de poder clausurar o concílio na noite de Natal de 1962. Foi gesto profético deixar liberdade aos padres conciliares para reflectir, estudar e decidir as melhores propostas doutrinais e pastorais para a Igreja e para o mundo. João XXIII acompanhou toda a primeira sessão; a morte surpreendeu-o no início do mês de Junho de 1963; outras três sessões se seguiram com Paulo VI. Ao longo da celebração, a Igreja tornou-se mais colegial, comunitária e dialogante com as outras Igrejas e com o mundo. Era uma Igreja que se rejuvenescia, reavivava a esperança, assumia compromissos e dava lugar à misericórdia. A era tridentina conhecera o seu fim. Uma nova forma de ser Igreja e estar no mundo e com o mundo passou a ser desafio permanente que tem prevalecido até aos nossos dias. David Sampaio Barbosa, Professor de História da Igreja da UCP

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Agência ECCLESIA

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