O percurso de um homem que marcou a Igreja portuguesa no século XX e celebrou o aniversário dia 20 deste mês Se compararmos a vida a uma maratona, D. Manuel de Almeida Trindade está a entrar na recta final para o centenário do seu nascimento. Completou 90 anos de vida no dia 20 de Abril. O seu natal foi em Monsanto, mas saiu de lá com apenas três anos de idade. No livro «Memórias de um bispo», da autoria de D. Manuel de Almeida Trindade, realça que “ficou-me na memória a configuração do penhasco recortado no horizonte azul do céu, e também a de alguns ciclópicos que eu avistava da janela da nossa casa”. Monsanto viu nascer o bispo emérito de Aveiro e o Seminário de Coimbra soube acolhê-lo no primeiro mês da década de trinta: primeiro como seminarista e depois vice-reitor daquela instituição. “Estava eu a passar tranquilamente as férias na minha aldeia de Famalicão, quando, no princípio de Setembro de 1941, o correio me trouxe uma carta de Coimbra” – refere na obra citada. Dentro do envelope vinha um simples cartão de visita com estas palavras: «O bispo de Coimbra vem dizer que se prepare para assumir a direcção do Seminário Maior, no próximo ano lectivo». Como era um jovem sacerdote, pensou que havia um engano no endereço. Depois de falar com D. António Antunes – na altura bispo de Coimbra – caiu-lhe “o coração aos pés” e invocou todas as razões “para dissuadir o meu bispo”. Não conseguiu… e recebeu vários pedidos para que aceitasse a vice-reitoria do Seminário. Coimbra viu nascer um verdadeiro pastor e um orientador de vocações. A sua fama ultrapassou os muros do seminário e a Faculdade de Letras de Coimbra convida-o para leccionar a cadeira «Origens do Cristianismo». “Creio que nessa altura, pelo que havia dito ou escrito, já se podia conhecer a feição do meu espírito. Sabiam quem eu era, e que não iria impor a ninguém o que penso sobre o cristianismo” – escreve na obra «Memórias de um bispo». A universidade marcou-o e D. Manuel de Almeida Trindade deixou o seu cunho pessoal naquela escola secular. Dois anos depois (1962), D. Manuel de Almeida Trindade estava de férias no Algarve e recebe uma carta da Nunciatura. Teve medo de se trair e foi para uma açoteia abrir a correspondência. Foi naquele terraço, “sem que ninguém visse as cores por que passou o meu rosto, que eu soube que o Papa João XXIII me queria bispo de Aveiro”. Naquela noite de Verão deixou o Algarve e deslocou-se a Lisboa. “Não consegui dormir. Nunca sou capaz de dormir num comboio ou mesmo num avião”. No entanto, naquela noite existia um motivo especial para se manter acordado. “Pensei e rezei toda a noite”. Em breve seria bispo de Aveiro. Quando a diocese da ria foi restaurada foi-lhe dada a hipótese de optar por Coimbra ou Aveiro, “ao contrário dos outros padres ou seminaristas, a quem era imposta a diocese de origem”. Optou por Coimbra. “Agora vinha a hora de dar a Aveiro a parte que lhe pertencia” – recorda. Nesse mesmo ano desloca-se para o Vaticano a fim de participar no II Concílio do Vaticano. A cidade não lhe era desconhecida porque estudou lá. A participação neste encontro magno da Igreja foi uma espécie de noviciado episcopal. “Tomar parte num Concílio Ecuménico é um privilégio que nem a todos os bispos é dado a usufruir” – escreveu nas memórias. Na festa da Imaculada Conceição desse ano recebeu a sagração episcopal na Sé Nova de Aveiro. Aí pastoreou durante muitos anos e imprimiu um cunho pessoal. “Há homens que se gabam de nunca terem chorado diante de uma dificuldade; eu não posso dizer o mesmo” porque “fui chamado a servir a Igreja num período difícil”. Para compreender os trabalhos da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) é fundamental visitar a obra «Memórias de um bispo». Aí, D. Manuel de Almeida Trindade mostra ao leitor os primórdios da CEP e a colegialidade episcopal. Foi durante três mandatos presidente deste organismo e deixa registos para a história da Igreja portuguesa nas últimas décadas do século XX. Algumas semanas depois de ter sido ordenado bispo, D. Manuel de Almeida Trindade escreve na obra citada que recebeu uma carta do seu pai. Esta dizia: “Meu filho: até agora tens sido tu a pedir a minha bênção. Daqui em diante vamos inverter as coisas: não serás tu a pedir a minha bênção, mas eu a pedir a tua”. Quando leu a missiva paternal, “as lágrimas rebentaram-me os olhos”. E acrescenta: “meu pai compreendera o que eu passara a ser. E dado que a terra onde ele vivia pertencia à diocese que eu ia pastorear, eu passava a ser bispo de meu pai. Ele entendia estas coisas. Meu pai era um contemplativo”. Luis Filipe Santos – AE