O arcebispo de Braga considera que o atual momento do país implica a colaboração de todos para promover maior igualdade e justiça. D. Jorge diz gostar do contacto diário com a população e de participar nos problemas reais das pessoas, sejam sacerdotes ou leigos
D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga nasceu a 5 de março de 1944, na freguesia de Brufe, Concelho de Vila Nova de Famalicão (Diocese de Braga) e uma vez terminados os estudos, foi ordenado padre no dia 9 de julho de 1967, juntamente com 24 colegas, na igreja de Lousado (Famalicão).
Com 43 anos, o Papa João Paulo II nomeou-o bispo titular de Nova Bárbara e auxiliar de Braga, a 9 de novembro de 1987. A 3 de janeiro de 1988, foi ordenado bispo pelo então arcebispo primaz de Braga, D. Eurico Dias Nogueira, na cripta do Sameiro, escolhendo como lema episcopal a passagem do capítulo 17 do Evangelho segundo São João: ‘Ut unum sint’ (que sejam um).
Agência ECCLESIA (AE) – Ainda se recorda do dia em que foi nomeado bispo auxiliar de Braga e titular de Nova Bárbara?
D. Jorge Ortiga (JO) – Recordo plenamente. Aqueles acontecimentos marcados pela surpresa são inesquecíveis, de perplexidade e de uma certa inquietação interior. Estes acontecimentos marcam de maneira definitiva a vida.
AE – Onde estava quando recebeu a notícia?
JO – Estava nos Congregados (Basílica que fica no centro da cidade de Braga). Fui convidado para ir à Nunciatura (em Lisboa), mas naquela ocasião já se ouvia falar e dizer qualquer coisa… Não contei a ninguém, mesmo aos amigos mais íntimos com quem vivia (com uma equipa sacerdotal) e fiz a viagem até Lisboa. A viagem foi uma luta interior, prevendo o que poderia acontecer e, efetivamente, aconteceu.
AE – Com uma certa dose de ansiedade?
JO – Sim. Foram experiências de ordem mais interna que se tornam de difícil explicação.
AE – Chegou a conhecer a sua diocese de onde era titular Nova Bárbara?
JO – Nunca tive essa oportunidade. Sei que fica no norte de África.
AE – A nomeação deveu-se, essencialmente, ao seu trabalho pastoral ou à sua dissertação em Roma?
JO – Por aquilo que sei hoje e por aquilo que conheço, acho que não foi tanto pela tese de Roma e o trabalho académico. Inicialmente, pensava dedicar-me ao ensino (primeiro era o seminário, depois passou a instituto e agora é a faculdade de teologia), mas terei de reconhecer que se deve mais ao meu trabalho pastoral e entrega aos sacerdotes. Como estudei história da Igreja (época antiga) até pensei alargar os meus conhecimentos… Não fiz a tese de doutoramento, apesar de ter preparado todos os cursos para o doutoramento. Mas durante o meu tempo de estudo fui-me apaixonando pelo trabalho com os sacerdotes. Quando vinha a Braga e quando regressei, os meus tempos livres eram «gastos» em contactos e diálogos com os sacerdotes, num momento um bocado complicado para a arquidiocese de Braga.
AE – Quando regressou a Braga?
JO – Cheguei em 1971. Depois de toda aquela inquietação pós II Concílio do Vaticano… Depois da agitação do 25 de Abril de 1974 e a criação da diocese de Viana do Castelo. Foi todo um conjunto de pormenores que alteraram as ideias iniciais.
AE – Perdeu-se então um historiador e ganhou-se um apaixonado pela vida sacerdotal?
JO – Não direi que se perdeu um historiador. Hoje, continuo a ter o gosto pela história, mas não um especialista das coisas históricas. O tempo não dava para tudo. No entanto, espero que tenha dado para fazer alguma história junto de alguns sacerdotes. A paixão pelo presbitério ganhei-a no Movimento dos Focolares.
AE – Adaptou-se facilmente ao II Concílio do Vaticano (1962-1965)?
JO – Fui sempre uma pessoa muito inquieta e aberta aos problemas. Um pouco, talvez, insatisfeito, com o modelo da Igreja enquanto estudava teologia. Por isso mesmo, posso dizer que suspirava pelo concílio. Acompanhei-o através de livros que saiam, mas, particularmente, através de alguns jornais que nos descreviam o que estava a acontecer na sala conciliar. Procurava ler, diariamente, o jornal francês «La Croix». Exultava com o «aggiornamento» e com a renovação da Igreja. Segui todos os passos do documento «Gaudium et Spes». Recordo a experiência, nos primeiros anos de sacerdócio, na Basílica dos Congregados, a oportunidade de dialogar com pessoas de todas as correntes, com as inquietações e irreverências da juventude. Dialogar com os movimentos que surgiram naquela altura, mesmo alguns de esquerda.
AE – Não teve receio de ser convertido para a ideologia de esquerda?
JO – Não. Já tinha encontrado um suporte ou alicerce que é, essencialmente, uma vida de espiritualidade. Mas sempre gostei de dialogar com todas as sensibilidades e correntes.
AE – É natural do Minho, de Brufe (Famalicão), foi presbítero na arquidiocese de Braga e, atualmente, arcebispo neste território eclesial. Existe um adágio popular que afirma: “Santos da casa não fazem milagres”, mas D. Jorge Ortiga tem feitos milagres?
JO – Não fiz milagres, nem pretendo. Se alguma coisa acontece, não sou eu que faço. É, apenas, deixar-me disponível para que Deus realize alguma coisa através de mim. No entanto, posso dizer que me meteu um pouco mais de medo, primeiro quando fui bispo auxiliar e depois, também, arcebispo de Braga. Reconheço também que tive alguma vantagem em ser natural de Braga porque conheci e conheço a diocese toda. Conheço não apenas pelo nome, mas a grande maioria delas pela sua localização e os seus sacerdotes.
AE – Para além de conhecer a mentalidade específica do povo minhoto?
JO – É verdade. Conhecer a caracterização própria deste povo foi uma vantagem porque temos uma maneira muito original de encarar a vida – alicerçada muito na família -, na alegria, festa e na tradição. Este sentido não é muito fácil de compreender para quem vem de fora.
AE – Não teve o período de adaptação porque já conhecia o «modus vivendi» da sua região.
JO – O conhecer é uma vantagem, mas o ser conhecido pode ser um inconveniente.
AE – Ao longo dos dez anos em que foi bispo auxiliar de Braga, que tarefas lhe incumbiram?
JO – Continuei com o mesmo trabalho que tinha porque, antes de 1981 (ainda era presbítero novo), fui nomeado vigário episcopal para o clero. Continuei com essa responsabilidade e essa alegria de poder servir os padres. A maior parte do meu tempo era para visitar os sacerdotes e ir ao encontro deles. Esse mesmo amor aos sacerdotes procurava fazê-lo naquele trabalho que me foi confiado, através das visitas pastorais. Passava alguns dias nas comunidades onde ia fazer a visita pastoral. Entrava nas realidades da comunidade, tanto eclesiais como sociais. As visitas a fábricas foram de uma riqueza muito grande porque tive oportunidade de entrar no realismo de um trabalhador.
AE – Não conhecia essa realidade dos seus tempos juvenis?
JO – Conhecia alguma coisa até porque o meu pai também era operário. No entanto, confesso que algumas delas não conhecia.
AE – Teve uma infância privilegiada…
JO – Trabalhei sempre. Desde que nasci… (risos). Os meus pais eram agricultores e recordo quando os meus colegas no final da escola iam brincar, eu ia para o campo fazer aquilo que podia conforme a idade de que tinha. Coisas simples, mas a maior parte do tempo ocupado com essa ajuda à família.
AE – Então sabe o que custa a vida?
JO – Sei o que custa a vida e sei fazer as coisas. O trabalho da agricultura não me preocupa nada. Apesar das coisas, na área agrícola e também noutras áreas, ser feito de modo diferente. Por outro lado, o facto de ter vivido em comum com outros sacerdotes, também me permite saber o que custa a vida de casa. Não tenho problema nenhum entrar numa cozinha e saber mexer com todos os utensílios…
AE – E fazer alguns pratos da gastronomia minhota…
JO – Muita coisa. A culinária minhota é tão rica que não dá para dizer em poucas palavras.
AE – Teve alguns dissabores enquanto bispo auxiliar de Braga?
JO – A vida é feita de tudo, mas confesso que não recordo nenhum. Tenho um princípio que orienta a minha vida: procurar viver o momento presente e o que está para trás entregá-lo à benignidade de Deus. Mas se notava alguma divisão entre o clero, ficava preocupado. O mesmo acontecia com a situação social das pessoas.
AE – O seu trabalho tem sido reconhecido na região minhota, a tal forma que aparece na toponímia de Famalicão.
JO – Atos contra o meu gosto, mas é sinal de simpatia e de amizade. Gosto de trabalhar – de dia e de noite -, mas no silêncio e não estar à espera de qualquer tipo de recompensa. Gosto do cristianismo como festa, mas não gosto de ser objeto da festa.
AE – Trabalha de dia e de noite? Levanta-se muito cedo?
JO – Gosto de uma vida metódica e organizada com os horários definidos. No entanto procuro reservar sete horas para descansar porque nem todas as noites dão para dormir. Tenho um ritmo de trabalho – procuro não ser agitado – mas com uma agenda preenchida e que produz sempre muitas coisas. Alguém diz que sou como um vulcão…
AE – Considera-se mesmo um vulcão?
JO – Não, mas reconheço que as ideias surgem com relativa facilidade. Sou capaz de ver os acontecimentos, mas não os ver passivamente. Os acontecimentos provocam, imediatamente, uma resposta ou reação.
AE – Em 1999, João Paulo II nomeou-o arcebispo titular de Braga. Na carta de nomeação, o Papa escrevia: “Te consideramos idóneo para a reger, sobretudo tendo em conta os altos dotes de inteligência e de coração evidenciados durante as funções de bispo auxiliar que até aqui superiormente desempenhaste”. Recorda este momento?
JO – Perfeitamente. Tive conhecimento alguns dias antes, mas a notícia tornou-se pública no dia 05 de junho. Eu queria – em termos de gosto – que fosse no dia 06 desse mês, porque era o dia de aniversário do meu pai. A notícia foi divulgada quando estávamos para proceder ao encerramento do congresso eucarístico, realizado em Braga.
AE – Desde que é titular de Braga, o seu múnus episcopal tem-se pautado por que áreas específicas?
JO – Continuei com a preocupação pelos sacerdotes e também pelo laicado. Uma das alegrias maiores que tive como bispo auxiliar foi o ter sido secretário-geral do sínodo diocesano bracarense que decorreu de 1994 a 1997. Juntamente com uma equipa, procurei ser o dinamizador, tanto que D. Eurico Dias Nogueira (arcebispo emérito de Braga) me chamou o cabouqueiro do sínodo. Tudo se orientava para uma pastoral voltada para o futuro onde se colocava a evangelização em primeiro lugar. É fundamental trabalhar sempre em ambiente de unidade, diálogo e comunhão.
AE – A diocese tem sabido aproveitar os ex-seminaristas e os padres que pediram a redução ao estado laical?
JO – Procurei dar vida nova à associação dos antigos alunos do seminário. No entanto reconheço que não temos conseguido grandes resultados porque há uma relação mais concreta dos padres e dos ex-seminaristas do próprio ano. Quase todos os anos, os colegas se encontram naquilo a que chamam a reunião de curso. Este particular vence sobre o coletivo. Em relação aos padres que pediram a redução ao estado laical vamos acompanhando. Muitos deles estão em lugares de trabalho na diocese. Temos um número muito significativo daqueles que deixaram, mas muitos deles estão ao serviço da comunidade diocesana.
AE – É mais um bispo de gabinete ou do contacto diário com as pessoas?
JO – Gosto mais de ser bispo de contacto diário. De ir ao encontro para participar nos problemas reais das pessoas, sejam sacerdotes ou leigos. A atenção aos mais carenciados é um aspeto que não posso, de maneira nenhuma, esquecer. Mas também tenho o meu trabalho de gabinete porque é fundamental refletir, estudar e pensar nas realidades concretas.
AE – É um peregrino na cidade?
JO – Gosto imenso de andar pelas ruas da cidade. Habitualmente, sou eu que conduzo o carro e, desta forma, posso contactar com as pessoas. Nos trabalhos oficiais, procuro dialogar com tudo e com todos. Sinto-me mergulhado no meio das pessoas.
AE – Nas férias sente-se incomodado quando é reconhecido?
JO – As férias, para mim, têm uma dupla dimensão: tempo de reflexão pessoal para repensar a vida e, por outro lado, tempo para descansar um pouco, mas sempre em contacto com as pessoas. Não tenho problema nenhum em andar na praia e encontrar-me com as pessoas. Procuro ser um entre tantos.
AE – Também se evangeliza na praia?
JO – Muitas vezes. Tenho tido contactos muito interessantes. Recordo um episódio (queda da falésia na praia Maria Luísa, Algarve) e encaminhei-me para aquele lugar e falei com as pessoas. Encontrei-me com o primeiro-ministro (na altura era José Sócrates) e havia, ali, um grupo significativo de pessoas numa atitude de profunda inquietação interior. O primeiro-ministro disse-me: “Vá, neste momento, a sua presença é mais importante do que a minha”.
AE – Com D. Jorge Ortiga ao leme da arquidiocese, Braga recebeu dois novos beatos: Frei Bartolomeu dos Mártires e Alexandrina de Balasar.
JO – Dois acontecimentos que me deixaram uma grande consolação interior. Efetivamente, Deus concedeu-me essa graça de poder ter tido duas beatificações que, por acaso, naquela altura, ainda aconteceram em Roma. Foram momentos importantes e estimulantes.
AE – A próxima já será em Braga. Quem tem o processo mais avançado? O padre Abílio Correia, frei Bernardo Vasconcelos ou D. António Barroso?
JO – Na carta pastoral que escrevi a propósito do Ano da Fé, chamei-lhes rostos da fé. O D. António Barroso é natural da diocese de Braga, mas o processo está a ser organizado pela diocese do Porto. Os processos estão em situações idênticas. Estão devidamente elaborados. Falta surgir o milagre.
AE – As celebrações da Semana Santa e também as da época natalícia têm um grande impacto na diocese. Deixam sementes para o resto do ano ou resumem-se ao lado folclórico?
JO – O povo minhoto está muito marcado pela dimensão da festa. Esta tem sempre a dimensão mais profana e também a dimensão religiosa. No verão, estamos sempre em festa. São sinais exteriores que significam muito ao povo, mas manifestam também uma fé interior. É uma semente que se lança à terra… Há muitas pessoas que vivem com intensidade as procissões e aquilo que elas representam.
AE – Para quando uma melhor divulgação do rito bracarense?
JO – O rito bracarense é ainda permitido, não foi extinto. Não direi que esteja esquecido porque temos algumas cerimónias – particularmente na Semana Santa – em rito bracarense, mas a riqueza deste rito está em determinadas orações e algumas fórmulas que exigiriam uma tradução e uma adaptação. Isto não é fácil. Pessoalmente, gostaria que, de longe a longe, houvesse uma eucaristia em rito bracarense, na Sé.
AE – Com uma vida tão ocupada, ainda tem tempo para ver jogos de futebol?
JO – Já gostei mais de futebol. Vejo-o mergulhado em determinados meandros que não são muito do meu agrado. Gosto do desporto em geral porque este é constitutivo da pessoa humana. Quando posso – são poucas as vezes – vejo um desafio de futebol.
AE – Quando o Futebol Clube do Porto defronta o Sporting Clube de Braga torce por quem?
JO – Depende das ocasiões. Nasci em Famalicão – situado entre o Porto e Braga – a minha cor é mais azul e branca. Se ao Porto não fizer falta, que ganhe o Braga.
AE – Já disse que gostava de ver o Sporting Clube de Braga campeão nacional de futebol.
JO – Ficaria extremamente contente. Mas já fui sócio de vários clubes da região de Braga que estiveram na primeira divisão.
AE – Como é a relação entre as duas principais cidades da diocese (Guimarães e Braga)?
JO – Já não existe a rivalidade que existia antigamente. Elas completam-se. No início da nacionalidade, D. Afonso Henriques estava em Guimarães e os arcebispos em Braga.
AE – Esteve como presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) durante dois mandatos (2005-2011). Como encarou o desafio de liderar este organismo?
JO – Com naturalidade, mas com alguma preocupação pela responsabilidade que me foi confiada. A CEP é apenas um órgão de comunhão entre os bispos. Onde existem diálogos francos e abertos.
AE – Durante os mandatos, os bispos portugueses realizaram a visita «Ad limina» a Roma (2007) e, três anos depois, Bento XVI visitou Portugal.
JO – Foram momentos importantes para a Igreja portuguesa. Se relermos os discursos de Bento XVI (tanto em Roma como em Portugal) verificamos que eles são programáticos. A Igreja portuguesa tem de entrar mais nas realidades humanas e terrestres. Os cristãos devem estar mais na economia, política…
AE – Atualmente, é presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e da Mobilidade Humana. Neste momento crítico da sociedade portuguesa como tem sido a sua relação com os políticos e sindicalistas?
JO – Temos dialogado com base na verdade. Como a situação social é muito grave, tenho defendido, constantemente, uma maior igualdade entre as pessoas. Ninguém pode desistir de construir uma sociedade mais justa.
LFS