Por ocasião da sua morte, a Agência ECCLESIA recorda o percurso do bispo emérito de Coimbra, descrito na primeira pessoa em 2010.
O Bispo de Coimbra, D. Albino Cleto, prepara a sua despedida da Diocese com o sentido do dever cumprido. Tendo completado 75 anos no último mês de Março [2010, ndr], o prelado pediu a renúncia ao cargo e em Abril anunciou à Diocese que a mesma tinha sido aceite pelo Vaticano.
Natural de Manteigas (Distrito da Guarda), junto da Serra da Estrela, D. Albino Cleto foi ordenado padre em 1959 e Bispo em 1983, como Auxiliar de Lisboa.
Posteriormente, foi nomeado Bispo Coadjutor de Coimbra em Outubro de 1997, sucedendo a D. João Alves em Março de 2001.
Em entrevista à Agência ECCLESIA, passa em revista um percurso de muitos anos, perspectivando o seu futuro e o da Diocese que actualmente serve, enquanto Bispo.
Agência ECCLESIA (AE) – Natural da Serra da Estrela, esteve na paróquia da Estrela (Lisboa) e está na diocese onde passa o rio da «Estrela». A estrela percorreu todos os passos da sua vida?
D. Albino Cleto (AC) – Tenho pensado nisso… Quando fui eleito bispo pedi a Nossa Senhora que fosse a minha Estrela, sem esquecer que a Sagrada Escritura diz que Jesus Cristo é a «Estrela da Manhã». Realmente, a estrela tem-me acompanhado, pelo menos no nome.
AE – Em Março deste ano fez 75 anos. Quando passar a bispo emérito de Coimbra volta para a «Estrela»?
AC – Volto para a «Estrela». A serra será a minha base – assim o penso -, não ficando, evidentemente, ali retido constantemente. Estarei a serviço da Igreja, mas penso ir, bastantes vezes, a Lisboa porque tenho lá instalação garantida, em família, e tenho também lá muitos amigos que quero revisitar.
AE – Natural da zona de Manteigas (diocese da Guarda), como foi o percurso de D. Albino Cleto até à diocese de Coimbra?
AC – Considero que tem o seu quê de original. Pelo menos a ida para Lisboa. Desde pequeno (a partir do Crisma) que dizia que queria ser padre. Naturalmente, as coisas encaminharam-se para ir para o seminário da diocese da Guarda. Havia também outro colega da escola primária que tinha os mesmos propósitos. Éramos muito amigos e fizemos um conluio os dois. Todavia, depois do exame de aptidão – como se usava nessa altura – feito na Guarda, retardou a resposta. O nosso «velho prior» só nos chamou para nos transmitir que estava tudo solucionado: «Tu, Albino, vais para o Fundão, mas tu, Zé, vais para Santarém». Respondi, imediatamente: «Não senhor vigário. Para onde vai um, vão os dois». «Se, ele não pode ir para o Fundão, sou eu que quero ir para Santarém». Embirrei…. «Santa» birra.
AE – Era um menino birrento… Levou mesmo uma «bofetada» do seu pai devido a este episódio?
AC – Sim. Quando disse «santa» birra não era devido ao Seminário do Fundão. Fui para Santarém e passado algum tempo o meu colega deixa o seminário. Pensei: «Deus prega-nos cada partida». Continuei… Fiz os seminários normais. Fiquei muito contente quando, em Setembro de 1959, recebi um cartãozinho do secretário do Cardeal Cerejeira, Mons. José Maria, a dizer-me: «Está, vossa reverência, nomeada para o Seminário de Almada. Deve apresentar-se ao senhor reitor, Cón. Gonçalves Pedro». Devo dizer que considero isto um rebuçado que Deus me deu. Soube, depois, que cheguei a estar nomeado como coadjutor para a Paróquia de S. Mamede (Lisboa) que tinha como pároco o Cón. Amaro Teixeira.
AE – Sentia-se melhor a trabalhar com jovens…
AC – Tinha o sonho de trabalhar com gente nova. Gostei muito de passar três anos como aluno daquele seminário. Há coisas que se cruzam e, uma delas, foi esta: «Nessa mesma data passou a ser vice-reitor, o Pe. João Alves». Foram 19 anos. O Pe. João Alves saiu – sete anos depois – e fiquei responsável pelo seminário. Tive muitas alegrias e tristezas. A tristeza maior foi ver o seminário descer de cento e setenta alunos para onze. Também tive a alegria de começar a ver subir o número.
AE – O seminário sempre foi uma paixão?
AC – Durante muitos anos… e ainda hoje. Fez-me padre e durante 19 anos da minha vida ali os «gastei» a ajudar outros a serem padres também. Na paróquia da Estrela acompanhei, afectivamente, o seminário.
AE – A sua saída do Seminário de Almada foi inesperada?
AC – No dia de S. Paulo (25 de Janeiro) do ano de 1978, o Cardeal António Ribeiro – recordou-o sempre com profunda amizade – foi à festa do Seminário de Almada. Sei que andámos a passear e a conversar… Disse-me: «precisava de si noutro lado, mas não o posso tirar porque vocês são tão poucos». Na Quinta-feira Santa (passados cerca de dois meses) disse-me: «sempre conto consigo para a paróquia da Estrela». Fiquei espantado… e disse-me: «Em Maio, apareça para voltarmos a conversar». Nunca mais me esqueço deste episódio porque, no dia seguinte, tinha de acompanhar uma turma de finalistas do Colégio Frei Luis de Sousa até ao Funchal. E fui para a Paróquia da Estrela em Outubro.
AE – Um período marcante na sua vida?
AC – Sobretudo pela riqueza de contactos. Estes são variadíssimos. Os outros que tinha, eram marcados por jovens.
AE – Chegou a frequentar a Faculdade de Letras?
AC – Sim. Por causa do Português. Como era professor de Língua Portuguesa, achei que o padre não devia de ficar atrás do professor de Química, Física, Inglês… Tirei o curso aos pinguinhos.
AE – Nota-se que o percurso da sua vida está muito ligado a D. João Alves?
AC – Somos muito amigos. Desde os meus tempos de aluno. Na gama de professores que recordo com muita saudade, o então Pe. João Alves, professor de História, marcou-me imenso. Fiquei profundamente ligado a ele.
AE – Consta que foi ele quem não deixou que fosse para bispo de Beja
AC – Dizem isso… Mas são segredos dos corredores do Vaticano (risos). Soube, por zunzuns indiscretos, que na terna (três bispos possíveis para uma diocese) para Beja, eu andava nela. Cheguei a receber algumas cartas de padres de Beja a dizer que me esperavam. Nunca respondi porque ninguém me tinha nomeado.
AE – Se fosse para Beja, a adaptação seria mais difícil…
AC – Ia para Beja com muito prazer. Só teria medo de uma coisa: o calor. Quando chegassem os meses quentes de Beja teria de me colocar à sombra. (risos)
AE – Não tinha medo do Alentejo «vermelho»?
AC – Não. Não há grandes confrontos. A ideia de que as pessoas «mais vermelhas» atacam a Igreja é capaz de não ser muito acertada. Uma das afirmações de D. Manuel Falcão fala nessa questão… É um belíssimo e santo conselheiro.
AE – O trabalho e a experiência paroquial foram importantes para o exercício do seu múnus episcopal?
AC – Muito.
AE – Todos os bispos deviam ter uma experiência numa paróquia?
AC – Não obrigatoriamente, mas ela é enriquecedora. Às vezes quando falo com um pároco meto esta deixa: «Como sabem, eu também fui prior». (risos). Às vezes existe a tentação dos párocos dizerem: «Nós é que estamos no terreno».
AE – Antes de ser nomeado bispo auxiliar de Lisboa, num conselho presbiteral os olhares dos seus colegas padres estavam focados em si.
AC – Já existia a boateira – como há sempre – de que eu ia ser bispo. Às vezes, isso irritava-me… Recordo também que, numa peregrinação a Itália, passei por Assis e – de joelhos – coloquei-me junto do túmulo de S. Francisco de Assis. Disse-lhe: «Oh Santo, tu que nem quiseste ser presbítero – ficaste diácono toda a vida – faz-me um jeito e tira-me da cabeça a preocupação de saber se vou ser bispo ou não».
Num conselho presbiteral de Dezembro de 1982, um padre meu amigo perguntou ao patriarca: «Afinal, quando vem um bispo auxiliar para Lisboa?». Vi que alguns olhos se voltaram para mim. Pus-me a escrever… O patriarca respondeu: «tenham calma». No intervalo, enquanto tomava a sua bica e fumava o seu cigarrinho, o Cardeal Ribeiro fez-me sinal e perguntou-me: «Está livre hoje à noite?». Caiu-me o coração… Nunca me tremeram as pernas, senão naquele dia que me sentei junto do Cardeal Ribeiro. Pôs-se a rir e disse-me: «Você está a tremer… (risos) tenho a dizer-lhe está escolhido para ser bispo auxiliar de Lisboa». Foi tornado oficial ainda nesse mês e no dia 22 de Janeiro de 1983 fui sagrado bispo, na Igreja dos Jerónimos.
AE – Tremeu quando soube da escolha para bispo auxiliar, mas depois tornaram-se amigos e até passavam férias em conjunto?
AC – Por uma razão simples. Quando falei com ele sobre os meus trabalhos e onde ficava a residir, ele disse-me que iria ocupar o lugar que o D. Maurílio de Gouveia tinha deixado vago e ficaria com a região pastoral de Lisboa – é a mais fácil do Patriarcado, difícil é o aro da cidade – e ficava a residir onde quisesse. Fiquei nos aposentos do D. Maurílio. Era o bispo auxiliar que residia na mesma casa do senhor Patriarca.
Conversávamos, frequentemente, não só à mesa das refeições, mas também nas horas seguintes. Por vezes dizia-me: «quando vai de férias?». E perguntou-me se estava livre em Agosto e se queria dar uma volta. Disse-lhe que sim…. Tudo começou assim. No primeiro ano fomos tomar posse da minha diocese: Elvira. Passeámos por Córdoba, Sevilha e Granada. Depois deste passeio, começamos a ir mais vezes.
Recordo com saudades essas férias de Agosto, mas com menos alegria recordo a última que fiz porque o senhor Patriarca já estava doente e apressou o regresso a casa.
AE – Consta que o Cardeal Ribeiro se «transfigurava» quando saía de Portugal?
AC – Percebo porquê. Ele era conhecido em toda à parte. Numa viagem para o Sul de Espanha parámos no Alentejo para a bica matinal. À saída do café, um «bom amigo alentejano» toca-me nas costas e pergunta-me: «Aquele não é o cardeal?». Respondi-lhe: «É sim senhor». Era muito conhecido.
AE – Antes das viagens, os roteiros estavam todos traçados. O Cardeal António Ribeiro era muito meticuloso?
AC – Eu não tinha preocupação nenhuma. Os hotéis estavam combinados e o percurso delineado. Limitava-me a conduzir. Noutras ocasiões era o D. Maurílio ou então o Pe. Moita.
AE – Como foi a sua experiência pastoral como bispo auxiliar no Patriarcado?
AC – Foi muito enriquecedora. A minha região pastoral era das mais fáceis. Em Lisboa, as igrejas estavam feitas e quando havia falta de padres as congregações religiosas ajudavam. Estive sempre muito ligado às comunidades paroquiais que visitava com facilidade. Saía de casa, e minutos depois estava na paróquia que ia visitar. Conhecia os leigos, os padres, os conselhos pastorais…
AE – Era muito próximo das pessoas?
AC – Isso é do temperamento.
AE – Então foram 15 anos enriquecedores?
AC – É verdade. Tive uma escola formidável: o Cardeal Patriarca, D. António Ribeiro; D. António Reis Rodrigues, um mestre, D. José Policarpo, outro mestre. Grandes amigos que tinha à mesa. Fui um felizardo na escola episcopal e nas conversas que tive.
AE – Uma escola importante para chegar à «universidade» de Coimbra. Nesta diocese cometeu «pecados» ao longo destes anos?
AC – Houve realizações conseguidas, outras que deixo a meio e algumas em que bato com a mão no peito. Sonhei…
AE – Bata-nos com «mão no peito».
AC – Logo no discurso de entrada e, sobretudo, na carta pastoral que escrevi, eu sonhava e apontava duas coisas importantíssimas: a Pastoral Universitária – sabia que não partia do zero, mas era necessário dar novo ânimo -, não atingimos o nível que tinha sonhado… No entanto acho que ela está a crescer, mas muito lentamente porque se mudaram as circunstâncias.
AE – A Universidade de Coimbra está espalhada pela cidade…
AC – É verdade. Há encontros. Ainda se sente uma unidade académica em Coimbra – queira Deus que ela não se perca -, mas à quinta-feira de noite ou sexta-feira de manhã ou à tarde ela desaparece. Isto fundamentado com estatísticas fornecidas pela reitoria da universidade. Só retoma possibilidades de encontro na terça-feira. Na segunda está cá, mas cheia de sono. Vem ensonada das noites de fim-de-semana…
AE – A sigla SPES (Serviço Pastoral do Ensino Superior) significa esperança. Quer dizer que tem esperança nesta área?
AC – Estamos a sentir respostas novas. Temos rapazes e raparigas que, alegremente, se entregam a uma pastoral que mete a vertente reflexiva e a oração. Há a realização de peregrinações e de noites de oração.
AE – Ainda falta a outra prioridade?
AC – Ainda não temos construído um centro pastoral. Temos lugar para ele e algum dinheiro, mas problemas burocráticos – ligados ao PDM de Coimbra que agora estão resolvidos – não possibilitaram avançarmos com a obra.
AE – As obras terão o seu início antes de se despedir de Coimbra?
AC – O projecto ainda não está devidamente aprovado. Não conseguimos… Não quero sair e que digam: olhem, olhem… Fiz o que fiz e alguma coisa se fez.
AE – Neste anos também sentiu o perfume das vitórias. Qual a realização que lhe deu mais gozo?
AC – Aponto – desculpem se estou a ser vaidoso – a unidade da diocese. A diocese está unida, embora com pequenas fracturas. O clero da diocese estima-se a si próprio. Sinto-me à vontade no meio do clero.
AE – Mas é capaz de mandar um «murro na mesa»?
AC – Já tenho mandado. Algumas coisas tive de resolver, como se costuma dizer, à faca. Algumas nomeações de párocos, decisões de paróquias, questões de capelas que foram parar a tribunal…
AE – O seu sucessor terá o trabalho facilitado…
AC – Sim, mas vai ter muitas aflições para responder a todas as solicitações, relativamente ao número de padres. Todas as dioceses – tirando uma ou duas lá para o Norte do país – se queixam do mesmo. Aqui pode haver também uma culpa da minha parte que foi o retardar a preparação de entrega de algumas paróquias a leigos e a diáconos.
AE – É preciso apostar na Pastoral Vocacional?
AC – Está a crescer, mas posso dizer que já enterrei, em 12 anos, 61 padres. Entre os que ordenei, os que vieram de outras dioceses (Benguela ou Institutos Brasileiros) e uma ou duas incardinações foram 21 ou 22. Perante esta realidade, é preciso dar às pequenas paróquias a consciência que são elas as responsáveis. Ter uma ou duas pessoas que tomam a peito as responsabilidades. Não é apenas a comissão que conta os dinheiros da festa. O pároco deve ser o grande coordenador das dez ou quinze paróquias do concelho. Temos que ir mais longe, para que as paróquias não digam: «Então, em Outubro, quem será o nosso prior?»
AE – E também podem perguntar quem será o nosso bispo? Sente essa preocupação no clero e nos seus diocesanos?
AC – Sinto essa preocupação mais no clero do que no laicado. Tornei pública a resposta que recebi (dizendo mesmo que devia torná-la pública) do Núncio Apostólico de que estava aceite a minha substituição e que ela seria executada, presumivelmente, daqui a um ano. Foi o que ele me disse na Quinta-feira Santa. Até Fevereiro ou Março, eu tenho a responsabilidade da diocese e procuro cumprir o meu dever.
AE – Tem curiosidade em saber quem será o seu sucessor?
AC – É normal que tenha curiosidade em saber, mas não me quero intrometer.
AE – Qual o melhor perfil para o seu sucessor?
AC – Tem de ser uma pessoa muito presente localmente porque a diocese é grande. Tão depressa é solicitado para ir celebrar um crisma a Oliveira do Hospital como, no dia seguinte, terá de presidir a uma reunião em Pombal ou na Figueira da Foz.
Deverá também ter facilidade de relações, tanto com o clero como com os leigos. Deverá ter uma relação de proximidade porque, bem ou mal, a diocese está habituada a isso.
Não é necessário que seja catedrático, mas há uma relação com o mundo da saúde e da cultura que tem de ser garantida. O bispo de Coimbra tem de saber estar à vontade com professores universitários, grandes médicos… A diocese dialoga com hospitais para ver como havemos de responder – religiosa e socialmente – a situações de famílias que vêm do interior. Temos 8 capelães hospitalares em toda a diocese.
AE – Adaptou-se facilmente à diocese de Coimbra? Os anos como coadjutor foram benéficos?
AC – Perfeitamente. Uma bênção de Deus.
AE – Conheceu a realidade, antes de assumir a diocese…
AC – Eu quis ter um coadjutor, mas na altura disseram-me que, talvez, agora não. Depois passou o tempo. Quando faltavam um ou dois anos não davam um coadjutor.
AE – A aposta para este ano está situada em que área?
AC – Trabalhar sem estar a pensar que é o último mês, é o último dia, é a última vez… Trabalho porque vamos lançar o ano 2010/11. O programa está feito.
AE – Continua a marcar actividades na sua agenda?
AC – Marco. Quando vier o meu sucessor digo-lhe que marquei esta actividade. Se eu soubesse que o meu sucessor vem no dia 1 de Fevereiro ou dia 1 de Março… Mas como não sei. Vou marcando actividades, embora para o final do ano não me comprometa muito. Tenho também a preocupação de deixar a casa arrumada.
AE – Casa arrumada?
AC – São as questões pendentes que existem em todas as dioceses. Não queria deixar ao meu sucessor uma série de dossiers. Tenho meio ano para o fazer e já estou empenhado nisso.
AE – A diocese ainda está na dinâmica sinodal?
AC – Eu diria que está em dinâmica sinodal, mas devo dizer que não me empenhei – foi outra culpa minha porque assisti à parte final do sínodo (há cerca de 11 anos) – porque senti que o sínodo foi bom e realizou bom trabalho, mas não deixou balanço. O congresso dos leigos (dois anos antes) é que marcou a diocese e deu-lhe um novo impulso. O sínodo não foi agarrado pela diocese na sua execução e eu também não o agarrei.
AE – Mas existem sinais visíveis deste sínodo?
AC – Existem. Temos vários conselhos pastorais (estão a crescer) e económicos. Uma pastoral familiar que está a ser bem coordenada. Chamo a isto uma dinâmica que me foi deixada pelo meu antecessor, D. João Alves.
AE – Os seus 4 vigários regionais também celebram o Crisma?
AC – Sim, mal de mim… São 270 paróquias e, nesta altura do ano celebram o Crisma todos os domingos.
AE – Como está a decorrer o processo da Irmã Lúcia?
AC – É um dos dossiers onde quero deixar a casa arrumada. Tendo o Santo Padre dado a benesse de nos dispensar dois anos, abrandámos o ritmo. As comissões têm de ser «picadas» por mim porque reúnem-se lentamente. A partir de Outubro vou «picar os calos» à comissão histórica…
AE – O dossier devia estar mais avançado?
AC – Exactamente. Está a caminhar, mas tenho de pressionar mais. Quando vou ao Carmelo sinto que aquilo é um pólo de espiritualidade para o exterior. É interessante verificar que muitas peregrinações a Fátima passam por aqui.
AE – Em Maio último, Bento XVI esteve em Portugal. Coimbra não merecia que o Papa viesse a esta cidade?
AC – Merecia e não foi por falta de pedidos meus. Mas foram pedidos derrotados. O Papa não podia ir a Coimbra se não fosse também a Braga.
AE – O que fica desta visita a Portugal?
AC – Deve ficar o apelo a um ritmo de vida cristã mais consciente e mais dinamizador. Bento XVI deu-nos um «empurrão» portanto temos de andar mais depressa. E também nos disse para onde devemos andar. O bispo tem de ser o homem que coordena, mas tem que andar. Fica também na memória a afirmação «atrevida» proferida no Porto: «caminhar repetindo é morrer. Repetir é morrer». Deixou-nos também a mensagem para um diálogo com o mundo actual.
AE – Na visita «Ad Limina», Bento XVI também deixou apelos…
AC – Mas não é um discurso programático. Bento XVI disse-nos coisas acertadíssimas que disse também a outros episcopados. Não foram específicas para nós. Devo dizer que nesses mesmos dias fizemos uma reunião, em Roma, só que – receio que aconteça o mesmo com a vinda o Papa – estamos todos preocupados em ver como está a nossa «quinta» e está a diminuir a preocupação global pelo país.
AE – Mas formou-se um grupo para repensar a pastoral em Portugal?
AC – Exactamente. Queira Deus que esse grupo seja dinamizador. O receio de alguns bispos é que este grupo vá também ser «mordido» pela epidemia que está a morder a todos: «Não tenho tempo porque também tenho um fogo em casa». Isto é muito português. É o regionalismo.
AE – Actualmente é vogal da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais. Sempre teve sensibilidade para estas áreas?
AC – Sempre. Inicialmente por um gosto natural. Quando era rapaz – sobretudo depois no Seminário dos Olivais – gostava de visitar monumentos, viajar e conhecer a história da Igreja, do castelo. No Seminário dos Olivais tive bons mestres que me ajudaram nesse sentido. Constituímos uma equipa de arte que estava muito ligada ao Movimento Renovação de Arte Religiosa (MRAR). Desenvolvi o gosto e o interesse por saber mais em relação a estes assuntos.
Quando fui colocado no Seminário de Almada, uma das vertentes da educação dos seminaristas era a sensibilidade artística. Comecei a estudar os pintores… Mais tarde fui chamado para a Comissão de Arte Sacra do Patriarcado. Ficou em mim este «bichinho».
AE – A construção de novas igrejas tem de obedecer a determinados critérios. Para não acontecerem casos polémicos como a igreja de Troufa Real, em Lisboa?
AC – Também acompanhei… Fui das primeiras pessoas a receber os estudos prévios dessa igreja. Dei os meus pareceres, o arquitecto fez correcções. Tive algumas interrogações que apresentei ao Conselho Episcopal, presidido pelo Cardeal Ribeiro. Houve interrogações, mas disseram-me para dar luz verde para continuar a estudar. Para passar a projecto. Entretanto vim para Coimbra.
AE – Concorda com este estilo de construção?
AC – Aquela acho-a, excessivamente, dependente do símbolo. A Igreja não tem que parecer um barco. Tem de parecer um edifício onde se reúnem pessoas.
AE – As dioceses de Aveiro, Leiria-Fátima e Portalegre-Castelo Branco retiraram os seminaristas da diocese de Coimbra. O Instituto Superior de Estudos Teológicos (ISET) de Coimbra está em perigo?
AC – No próximo ano, o ISET funciona com 20 alunos, tantos quantos têm outras escolas superiores de Teologia em Portugal. Mas reconheço que uma escola superior de Teologia com 20 alunos é pouco. Não ia deslocar 16 alunos de Coimbra e 4 de Cabo Verde para Lisboa, Porto ou Braga.
Por outro lado, não está encerrado o processo de termos no centro do país um instituto superior de estudos teológicos, em diálogo com outras dioceses. As dioceses de Leiria, Aveiro e Portalegre não nos bateram a porta para todo o futuro.
Um Instituto Superior de Estudos Teológicos, tal como uma faculdade, preparam teólogos (homens, mulheres, frades, leigos, padres), mas na preparação do padre, cada diocese tem que cuidar dela. Cada presbitério prepara os seus futuros presbíteros.
AE – O que irá fazer quando passar a emérito?
AC – Tenho o desejo de voltar à serenidade e ao silêncio. Vou acompanhar – não quero magoar ninguém -, mas procurarei observar. Para mim, o grande mestre nisso foi Mons. Pereira dos Reis. Retirou-se para Singeverga. Deus não quis que o Cardeal Ribeiro chegasse até aos 75 anos, mas o propósito dele era retirar-se mais cedo. Disse-me: “quando fizer xis anos (disse-me quantos), eu retiro-me».
Fotos: Correio de Coimbra/Amicor
2010-07-28