Cultura: Teatro sacro pode regressar à rua

Júlio Martin, encenador de «Os Mistérios da Missa», diz que é possível manter a solenidade destas representações num espaço público

Lisboa, 05 abr 2011 (Ecclesia) – O ator e encenador Júlio Martin considera um “desafio muito interessante” representar a peça ‘Os Mistérios da Missa’ ao ar livre, à semelhança do que sucedia no século XVII, quando o texto foi escrito.

“Estes autos eram representados sobretudo na festa do Corpo de Deus, com uma grande celebração litúrgica na rua”, explicou à Agência ECCLESIA o responsável pela companhia Teatro do Ourives, acrescentando que enquanto a peça se deslocava pelas artérias “havia cantares e danças, permitindo o envolvimento da população”.

Em alguns países há a tradição “muito viva” de representações sacras no meio da rua, em cima de carroças ou camiões, encenando vários quadros ao longo do percurso que habitualmente converge para uma praça.

Júlio Martin, encenador da peça que foi reposta a 31 de março, em Lisboa, depois da estreia em 2010, aceitaria o desafio de a apresentar ao ar livre, embora “com outras condições técnicas de audição e visibilidade” e integrando mais atores, músicos e bailarinos.

“Penso que o teatro pode e deve estar presente no meio da cidade”, defendeu Júlio Martin, que gosta da ideia de “marcar os tempos litúrgicos com um cariz cultural e artístico”, dado que “é possível manter a solenidade e a sacralidade destas representações num espaço público”.

‘Os Mistérios da Missa’ é uma “peça didática” de Calderón de la Barca, “um dos maiores dramaturgos do século de ouro espanhol”, que “revela toda a narrativa e simbologia” da eucaristia, transformando a “liturgia numa “tensão dramática mas sempre com uma beleza poética muito grande”, assinalou o encenador.

O argumento, centrado nas personagens da ‘Ignorância’ e da ‘Sabedoria’, atravessa a “história da humanidade e do cristianismo”, começando com o trecho bíblico da expulsão de Adão do Paraíso, passando por Moisés, João Baptista, João (evangelista), Paulo e culminando em Cristo.

“Quisemos manter a proximidade com o público que existia na época no espetáculo da rua, transpondo a peça para o interior de uma igreja, como é o caso do Convento dos Cardaes, onde é possível ao espetadores sentirem o olhar e a respiração dos artistas, com a representação a ser feita entre as pessoas”, indicou Júlio Martin.

Além dos nove atores e duas crianças, a peça com uma hora de duração integra dois músicos que tocam violino e violoncelo ao vivo, “ajudando a criar um ambiente celebrativo e de espiritualidade muito belos”.

O texto original, em verso e com referências “muito marcadas pela época”, foi ajustado na linguagem e na denominação de algumas das 10 personagens, nomeadamente as que se opõem ao cristianismo, que com Calderón de la Barca eram o romano e o judeu, agora mudados em paganismo e fariseu.

A conversão de São Paulo, quando quase todos os personagens estão em palco, incluindo as duas crianças que cantam e dançam à volta do apóstolo, é para Júlio Martin um dos momentos mais significativos da representação.

A peça pode ser vista até 17 de abril no Convento dos Cardaes, de quinta-feira a sábado às 21h30, e aos domingos pelas 18h00, havendo a possibilidade de ser apresentada noutras cidades: “O espetáculo é muito ágil na produção. Nós adaptamo-nos ao espaço, dado que não temos cenários e os figurinos são simples”, referiu o encenador.

RM

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