Pandemia trava encenações de Quaresma que costumam ser de “grande aprofundamento humano”
Lisboa, 27 mar 2020 (Ecclesia) – O ator e encenador Julio Martin disse à Agência ECCLESIA que o Teatro permite a experiência de “calçar os sapatos do outro”, mantém uma conversa em aberto e, tal como a religião, “faz religar e reler”.
“O Teatro permite ter esta experiência de calçar os sapatos do outro, como os americanos dizem; sair de mim e estar no lugar do outro, na vida do outro, como ele pensa ou sente”, afirmou o ator à Agência ECCLESIA.
Assinalando o Dia Mundial do Teatro, que se celebra hoje, a experiência de Julio Martin levam-no a apontar uma sociedade tão individualizada que precisa de mais diálogo.
“Nesta sociedade tecnológica em que vivemos, que estamos presos a ecrãs de diversos formatos, estamos mais individuais e atomizados mesmo, o Teatro proporciona estes momentos de encontro e de diálogo, esta é uma palavra que nasce no Teatro”, explica.
Sendo um trabalho de equipa, “mesmo quando é um monólogo”, nunca se está sozinho, fala-se “consigo próprio, com os outros e até com Deus”.
“Teatro é comunicação e o bom Teatro procura manter uma conversa em aberto, o Teatro não dá respostas fechadas, faz perguntas”, aponta o ator.
Este tempo de Quaresma que vivemos, contrariamente a este ano devido ao isolamento social, costuma ser rica em encenações e autos da Paixão, momentos que Julio Martin considera como de “aprofundamento humano”.
A Quaresma é cheia de autos, encenações mas também de grande momentos de reflexão e aprofundamento humano, momentos de passagem e transformação como também em algumas peças que colocavam estas questões de outra forma, falando do que é central na experiência cristã”.
Na opinião do ator e encenador a própria religião tem um lado teatral, “seja no anúncio” na consciência da existência de grandes comunicadores, em pequenos grupos ou multidões.
“Eram momentos quase performaticos, presenças fortes, quer de voz, de corpo e também de comunicação não verbal, o gesto, o olhar, lembramos o convite: “Vem e segue-me””, recorda.
O ator, que descobriu a paixão pelo Teatro no grupo de jovens, que deixou o curso de Farmácia e ingressou no estudo de Teatro, afirma a grande ligação do Teatro com a religião.
Religião e Teatro têm muito em comum, religião vem de religar e o teatro também faz isso, e além disso também permite reler, por exemplo é o que se faz com a Bíblia, relemos, descobrimos outras coisas, que não tínhamos visto ou que não tiveram importância quando lemos”.
As artes sempre estiveram presentes na religião, na espiritualidade e evangelização, “lembramos quadros, esculturas que fazem parte do imaginário cristão” e por isso Julio Martin considera que os artistas precisam de mais diálogo e deixa um apelo.
“O que acontece é que muitas vezes há uma arte cristã que parou no tempo, os artistas estão a precisar que alguém dialogue com eles, há muitas realidades e pensamentos, mas cada vez que um artista é convidado ao diálogo não recusa”, aponta.
E estabelecer esse diálogo e confiança é “dar liberdade ao artista, pois o Espírito sopra onde quer e depois algo acontece”, acrescenta.
A cada ano o Instituto Internacional do Teatro lança uma mensagem para este dia e a mensagem de 2020 foi escrita por um dramaturgo do Paquistão, com o título “Teatro como santuário”.
A temática do Teatro é o mote central para o programa de rádio ECCLESIA, do próximo domingo, pelas 06h00, na Antena 1 da rádio pública, ficando depois disponível em agencia.ecclesia.pt.
SN