Residência artística coloca em contacto população envelhecida e jovens artistas
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Cachopo, 17 jun 2022 (Ecclesia) – A Associação Pousio – arte e cultura promoveu uma residência artística na localidade de Cachopo, Tavira, na diocese do Algarve, com o objetivo de aproximar os artistas e as comunidades mais afastadas dos centros urbanos.
“O objetivo da residência era trazer artistas que estão habituados a trabalhar em Lisboa, em cidades, e levá-los para fora das cidades, para o campo, e começarem a ver novas coisas, inspiraram-se em novos temas, e absorver a calma do campo e a sua beleza”, explica à Agência ECCLESIA José Sottomayor, da Pousio, responsável pela residência que levou quatro artistas, durante 15 dias a permanecer na localidade algarvia.
A residência artística aconteceu em Cachopo pela segunda vez e procurou, para além do tempo de criação artística dado a cada um dos participantes, aproximar a população, que é mais envelhecida, dos jovens artistas que ali estiveram.
“Na primeira vez que viemos resultou muito bem e eu acho que foi porque esta terra, as pessoas que fazem esta terra, têm muita vontade de conversar, de estar e nós também e viemos cá para estar, em primeiro lugar e depois tínhamos o trabalho artístico para produzir”, sugere José Sottomayor, artista plástico.
Ana Vala, artista visual, sublinha a oportunidade do tempo que ali estiveram, em contacto com a população, em serões sem hora marcada onde trocavam impressões sobre o trabalho e as inspirações de cada um, mas também pela beleza que encontrou na localidade que desconhecia.
“A parte da natureza é a primeira coisa que capta a atenção: muitas flores, muitas cores, muitos tons de verde. Tivemos sorte de calhar nesta altura do ano, está tudo a florescer e também as pessoas: as pessoas são incríveis, todas muito generosas e o projeto tinha essa dimensão mais social e de contacto entre nós e a população”, conta.
Entre os quatro artistas está Rafael Raposo Pires, artista visual que se centrou no espaço e nas caminhadas que a região convida a fazer.
“Sinto que é um ambiente seco, não tanto árido, mas é um ambiente difícil de coexistir com este calor, e esta paisagem que às vezes é muito semelhante. Temos de estar a caminhar durante meia hora e a paisagem é idêntica, há uma repetição. Tenho feito umas performances filmadas com pedras principalmente, em que estou a tentar explorar o peso ou a massa da pedra, a questão temporal de agarrar a pedra, em relação ao espaço, com a câmara e fazer algumas experiências deste género”, conta.
Para o artista visual a arte “também pode ser divertida” e foi a partir da lonjura do espaço que, de uma ideia inicialmente pensada, foi sendo adequada ao tempo e ao contexto de Cachopo.
Mónica Coelho, apaixonada por estruturas, trazia uma ideia a desenvolver durante os 15 dias, mas ao deparar-se com um objeto, hoje enferrujado, que em tempo serviu para exibir jornais para venda, deixou o projeto inicial e quis dar “uma vida nova” a algo enferrujado pelo tempo.
“Esta estrutura, pendurada há muito tempo, já não vende jornais. Comecei a pensar nisso e a recolher palavras e coisas que têm a ver com a ideia de ruína, de algo que já não é usada, e a forma como é que esta terra sobrevive sem jornais, que é algo que nunca me passou pela cabeça. Estou a começar ir mais para esse lado de perceber a falta que isto faz aqui ou não, e perceber a história da peça”, explica.
A artista plástica valoriza o tempo que passam com a população, a visita a pessoas idosas em casas isoladas e o conhecimento de um modo de vida distante do seu, essencialmente citadino.
“Sinto que só o estar aqui é importante. Eles reconhecem que passarem cá pessoas é importante, porque sabem que vamos levar a sua história para fora”, regista.
Ana Vala fala na residência como um “processo” em que o importante é absorve o que ali viveu para depois “descobrir outras coisas e concretizar outras ideias”.
José Sottomayor lembra que a residência é feita por cada um dos participantes e será o que cada um tirar daqueles dias, mesmo que não se meça em projetos realizados.
“É muito importante o estar, parar, refletir, ver, ter tempo, é muito importante o ter tempo, ou o dar tempo. É o que damos aqui: à terra, às pessoas, às vezes é só um bocadinho, às vezes é um bocadinho mais, na rua quando passamos por alguém, quando nos sentamos no local onde se encontram todos, no lar quando estamos à conversa com os utentes. É muito importante e para o processo artístico é importantíssimo”, explica.
A reportagem «A serra e o tempo da arte» vai ser emitida no domingo, dia 19, às 17h30, na RTP2.
LS