Cultura: A «sublime» arte de dirigir uma orquestra que Miguel Sepúlveda encontra na dedicação de uma mãe ou de um «taxista que se doa no seu trabalho»

Maestro de 27 anos, vencedor do Prémio Jovens Músicos 2022 que tem percorrido a Europa a dirigir, explica como a música entrou tarde na sua vida e lhe chegou primeiro como emoção e só depois por palavras

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 17 set 2025 (Ecclesia) – O maestro Miguel Sepúlveda diz à Agência ECCLESIA que o seu trabalho na direção de orquestra exige tanta dedicação como a de “um taxista ou de uma mãe”, explicando que o “sublime” se encontra na doação.

“O sobrenatural, a elevação, o sublime, o tocar Deus com o que faço não é maior do que a dança de uma bailarina, de um taxista, de uma mãe que acorda às 5 da manhã para fazer leite para o filho ou de uma avó a cortar salada para os netos. Todas estas coisas podem ter um valor sobrenatural se a pessoa estiver completamente nelas e as oferecer para algo maior do que a si mesmo”, explica o maestro de 27 anos.

A música entrou na vida do jovem maestro através do piano da tia-avó, onde descobria sons mais do que notas; a professora Maro reconheceu-lhe o talento em aulas lúdicas que despertaram em Miguel a vontade de continuar a aprender.

A relação com a música, o que os sentidos lhe diziam, surgiram primeiro que as palavras para o explicar, reconhece.

“Eu estudava pouco, e a minha mãe perguntou à Maro se devia continuar ou não, mas ela falou que eu devia continuar, porque tinha talento, e nessa altura eu disse mesmo que queria ir estudar música. Pensámos nas opções, e como eu comecei tarde, optar pelo curso profissional da Escola Profissional da Metropolitana, que condensava em três anos o estudo da música e de outras disciplinas nucleares, foi o melhor”, explica.

Miguel Sepúlveda iniciou a sua formação na escola e recorda a oportunidade de contactar com o ensino integrado, colocando-o em contacto com o ensaio de orquestras, assim como os concertos a que passou a assistir na Gulbenkian, como passos essenciais para despertar para a possibilidade de vir a ser maestro.

O estudo intenso da partitura, “onde se encontram as notas do compositor”, é o primeiro passo do trabalho, quando se vai imaginando o contributo de cada instrumento.

“É como um livro: este livro passa-se num castelo e este castelo tem a pedra, é mais cinzenta escura ou mais cinzenta clara, o que é que diz aqui no livro? Tentar perceber cada detalhe, uma imagem perfeita de como é que aquele livro devia ser. É preciso estudar o compositor, estudar o estilo, a época. O compositor dá informações na partitura, mas depois há muita coisa que não dá e esse é o trabalho difícil do intérprete, procurar os tons de cada nota, de cada instrumento”, conta.

O jovem explica que foi sendo seduzido por encontrar uma “verdade” nos maestros que acompanhava e com quem aprendia, que faziam das composições que dirigiam “carne e sangue”.

“Quando vemos uma grande performance de um ator num filme, ou no teatro, nós não vemos o ator ou atriz; vemos a personagem torna-se real, e isso é mesmo impressionante. O mesmo se passa com um maestro: comecei a ficar fascinado com os maestros que conseguiam tornar real aquela sinfonia de Beethoven, ou aquele compasso, quando se tornava verdadeira carne e sangue. O trabalho é olhar para a partitura e estudar, estudar, estudar, estudar, interiorizar de tal forma que depois, na performance, junto com a orquestra, nos possamos tornar aquela música”, descreve.

Miguel Sepúlveda fala de Mozart e Bach como compositores “complexos e profundos”.

“A pessoa olha para uma planta, estuda-a cada vez mais fundo e pensa, isto só pode ter sido feito por Deus, como é que é possível que alguém tenha feito isso? Bach é assim, e Mozart também, de forma completamente diferente. Há uma perfeição desarmante. Há uma piada que diz que mesmo que os compositores não acreditem em Deus, acreditam em Bach”, conta.

Questionado sobre se sente a presença de Deus no seu trabalho, o maestro responde afirmativamente: “Não no ombro, como com Bach, mas sim, vou sentindo”.

Em Portugal é regularmente convidado de volta para dirigir, tendo-se já estreado com quase todas as orquestras portuguesas.

Miguel Sepúlveda foi vencedor do Prémio Jovens Músicos 2022, semifinalista na Malko Competition 2024 e «Designated Winner» na Rotterdam International Conducting Competition 2024 preparando-se para, em breve, assistir a Filarmónica de Los Angeles, nos Estados Unidos da América.

A direção de diversas orquestras pela Europa, no Reino Unido, Países Baixos, Alemanha – tem ajudado o jovem a “gerir pessoas”, procurando que diferentes vidas e percursos se encontrem na música.

“Escutar música é escutar vida. Como é que é possível que Mahler, que nunca me conheceu, componha uma sinfonia que é sobre mim, sobre coisas que eu já passei. É sobre a natureza humana. Nós todos somos feitos com a mesma natureza”, finaliza.

A conversa com o maestro Miguel Sepúlveda pode ser acompanhada esta noite na Antena 1, no programa ECCLESIA, emitido pouco depois da meia-noite, e disponibilizado no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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