Cultura: A poesia e a literatura ao serviço da integração do ser humano

Associação de Ideias para a Cultura e Cidadania desenvolve diferentes projetos que levam poesia às prisões, resgatam relações entre pais reclusos e filhos e promovem a pertença comunitária

Foto: Agência ECCLESIA/LS

Lisboa, 16 dez 2021 (Ecclesia) – A Associação de Ideias para a Cultura e Cidadania (AICC) procura, através de vários projetos, levar a literatura a contextos “menos comuns” e apresenta-la como instrumento de “cidadania” e “um direito para todos”.

“O encontro entre as pessoas, muito através de mediadores como a poesia, mostra-nos o que nos une e não o que nos separa. A literatura integra tudo o que diz respeito ao ser humano, desde o sentir à participação cívica, com o contributo de cada pessoa para o todo”, explica à Agência ECCLESIA Ana Cristina Pereira da AICC.

Em contextos como prisões, lares de idosos ou em escolas, a associação procura levar a literatura para que a “cidadania seja plena e algo concreto para todas as pessoas”, acrescenta, mostrando como a “empatia e a cooperação passa pela atenção que se faz face a face”.

Há 18 anos, antes da constituição da associação, Filipe Lopes começou a desenvolver o projeto «A poesia não tem grades».

Percebi a existência de um estigma que leva a pensar que a poesia é algo menos masculina – há que perceber que naquele contexto pode ser visto como uma fragilidade. Nestes anos de trabalho nunca percebi alguém preocupado com isso e já vi homens grandes, tatuados, a chorar nestas sessões. A poesia toca diretamente as pessoas e pode ser lida de várias formas. Se soubermos utilizar a liberdade de escrita poética podemos ter muito a nosso favor”.

O projeto tem procurado a voz e a escrita de todos quantos queiram participar no projeto, mostrando que a “poesia não é erudita, mas dirigida a todos”.

“Foi-nos perguntado num estabelecimento prisional se podíamos receber um recluso com surdez e claro que o acolhemos, e acabou por ser um momento muito bom para a pessoa como para o coletivo que viu ouras capacidades naquela pessoa”, recorda Ana Pereira.

“As dores, as angústias, são muito semelhantes. Quando nos libertamos da carga da função que temos, e nos deixamos envolver no trabalho, ficamos todos a ganhar. Eu não sou diferente de nenhum dos que está recluso. Todos nós estamos a um passo de poder ser um recluso. Nessa paridade cria-se o sentido de comunidade que desenvolvemos nas sessões. Não vamos ensinar, vamos para nos escutarmos”, acrescenta Filipe.

No Natal de 2020, a AICC concretizou o projeto «Palavras Vizinhas» que desafia à partilha de poemas, escritos à mão, e colocados na caixa do correio de vizinhos.

“É muito importante recordarmos que pertencemos a um prédio, a um bairro, a uma aldeia. As redes de suporte são essenciais. E no meio do crescimento da população e das tecnologias, temos de recordar o básico, que nos integra numa comunidade. Criar coesão comunitária numa altura em que as pessoas não se aproximavam permitia dizer: estamos aqui e não estamos sozinhos”, explica Ana Pereira.

Filipe Lopes destaca a gratuidade que marca o projeto: “Cada pessoa se tiver um papel, uma caneta, tempo, vontade e perceção de comunidade mostra um gesto simples que mexe com as pessoas, as suas vivências, fragilidades, o que sentem que podem dar aos outros, sem gastar dinheiro”.

A AICC desenvolve ainda o projeto «As histórias não têm grades» que aposta na manutenção das relações familiares entre pais reclusos e respetivos filhos, através da narração oral.

Filipe Lopes explica que as histórias são gravadas pelos pais, com a ajuda dos técnicos, e são sonorizadas por outros reclusos.

“É um projeto que ultrapassa em muito a literacia: trabalha o vínculo, promove, junto da crianças, a presença do pai ou mãe, e ajuda a evitar que uma criança considere normal passar anos a visitar uma prisão e que anos depois ela vá para lá”, sublinha.

Outro projeto, o podcast ‘Dias úteis’, oferece diariamente um poema a quem queira escutar.

“Toda a gente gosta de poesia pode ter acontecido é não ter encontrado o poema certo. Aqui damos a oportunidade de ouvir e de as pessoas lerem em voz alta, partilharem poemas que gostam ou escrevem, e conhecerem a sua voz”, conta.

A AICC já esteve em escolas com este projeto e também no Hospital Magalhães Lemos, no Porto, na unidade de psiquiatria forense, tiveram a oportunidade de gravar, de forma anónima, alguns pacientes.

Filipe Lopes assume que os projetos que desenvolvem não pretendem “desculpar ninguém, nem esquecem os crimes”.

“Acreditamos que depois da pena cumprida, podemos ajudar as pessoas a ser melhores, encontrar rumos e a reconhecer-se em projetos desconhecidos”, finaliza.

Os projetos de encontros desenvolvidos pela Associação de Ideias para a Cidadania e Cultura estão em destaque esta semana no Programa ECCLESIA, emitido na Antena 1, pelas 22h45, de segunda a sexta-feira.

LS

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