Investigador em Teologia Prática, encontra no estudo paciente e na procura das palavras, «meios para dizer o mistério de Deus»

isboa, 16 jul 2025 (Ecclesia) – Rui Vasconcelos, investigador em Teologia prática, da obra do poeta e frade dominicano José Augusto Morão, disse que os poemas do frei, desaparecido em 2011, podem “alimentar pessoas e pequenos grupos” que “buscam palavras para a sua oração”.
“A poesia de José Augusto Mourão surge no contexto da liturgia, na herança pós-conciliar dos anos 70 e, para ele, é fundamental a presença do corpo. A liturgia precisava de preparação, de investimento. E a criação poética para a liturgia era uma forma desse investimento. Ele detestava a improvisação, era um textualista, ou seja, a poesia era trabalhada e retrabalhada e voltava a ser trabalhada, quer por ele, quer pela comunidade, privilegiando sempre a dicção comunitária”, traduz o investigador, em entrevista à Agência ECCLESIA.
Rui Vasconcelos defendeu uma tese de Doutoramento em Teologia, especialidade em Teologia Prática, sobre o tema «A construção do discurso teológico na obra de José Augusto Mourão», autor que conheceu pela “poesia orante” e pelo trabalho “depurado e difícil das palavras”.
“O primeiro contato foi traumático, como qualquer primeiro contato com as homilias de José Augusto Mourão deve ser traumático, mas depois uma pessoa vai percebendo as intuições, as frases fortes, e alguém com o seu percurso biográfico, percebe o investimento”, explica.
Rui Vasconcelos lamenta o que apelida de “liturgia fast-food”, “igual em cada paróquia e comunidade”, sem investir “num corpo concreto, comunitário” que se “reúne para fazer memória”.
“Quando se participa numa celebração, é com as pessoas e para as pessoas. Entrar naquela igreja e no dia seguinte ir à do lado, e participar exatamente no mesmo, como se fosse uma linha de produção, trata-se de aplicar um padrão ‘standard’ em qualquer contexto, em qualquer momento, com quaisquer pessoas. É um empobrecimento muito grande do corpo. Entramos aí na lógica do corpo presente. José Augusto Mourão dizia isto: ‘procurando guardar as palavras, estamos a perder o sentido’”, explica.
“O depósito da fé não é algo etéreo que temos na mente; a nossa fé não é algo que temos na nossa mente e que depois podemos dizer de qualquer maneira. O modo como se diz as palavras, importa. E temos um discurso tão corrido, tão desvalorizado no sentido inflacionado com tantas palavras, que perdemos a importância e o saber de cada palavra. José Augusto Mourão ensinou-me isso”, acrescenta.
Num tempo de sinodalidade, Rui Vasconcelos quer acreditar que a poesia do frade dominicano poderá “alimentar pessoas e pequenos grupos, que buscam, de facto, palavras para a sua oração”, mas evidencia a “retração” e a opção pela “manutenção de estruturas”.
“As próprias instituições, não só a Igreja, estão em fase de retraimento, de encolhimento de meios, de pessoas, o que torna ainda mais difícil haver espaço para aventuras pessoais para biografias pessoais de exploração, de descoberta, de risco. O mais fácil é manter a estrutura, quem somos, o que temos”, reconhece.
O investigador evidencia o tempo, a paciência, o estudo necessário para se caminhar na Teologia, contrariando o contexto atual de velocidade: “José Augusto Mourão passou a sua vida no confronto com os textos, com as obras. Nós vivemos com muitas funções, com muitas responsabilidades, muitos trabalhos, o que nos retira essa disponibilidade para o confronto com o texto, que é um confronto muito paciente, muito lento, muito difícil”.
Rui Vasconcelos explica ainda o processo que José Augusto Mourão desencadeia no leitor, “libertando o texto” e confrontando o leitor com as palavras “sem intenções do autor”.
O investigador, que iniciou o estudo da Teologia aos 19 anos, procura as palavras para compreender o “mistério”.
“Comecei o estudo da Teologia, e ficou até hoje. Procurar as palavras para o mistério de Deus, para o nosso mistério, como pessoas, para a história da salvação, a história bíblica, para perceber que a experiência religiosa é abraâmica, porque partimos para uma terra, a qual não conhecemos, já somos velhos, já muito carregados. O estudo da Teologia obriga-me a procurar essas palavras”, indica.
A conversa com Rui Vasconcelos pode ser acompanhada no programa ECCLESIA, esta noite, na Antena 1, e disponibilizada no podcast «Alarga a tua tenda».
LS