Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa
1. O nosso país, de ano para ano, tem sido de tal modo assolado por incêndios que estes se tornaram um autêntico flagelo com proporções quase incontroláveis. É a área anualmente ardida que já supera a de qualquer outro país europeu, mesmo aqueles que têm condições climatéricas semelhantes à nossa. É o património florestal que se vai perdendo de uma forma igualmente sem paralelo. São os notórios custos humanos, sociais, económicos e ecológicos decorrentes desta situação.
Que fazer? Vamos resignar-nos a uma chaga com tais dimensões, como se de uma fatalidade impossível de contrariar se tratasse? De modo algum. Estamos convencidos de que as causas do flagelo dependem direta ou indiretamente da vontade humana. E, como tal, só pode prevenir-se ou combater-se com eficácia, se todos nós, desde o cidadão mais simples ao mais responsável, em vez de vãs lamentações, mudarmos realmente de mentalidade e de hábitos sociais. Quais?
2. Sabemos que, na origem de muitos incêndios, talvez da maioria, estão comportamentos criminosos, uns intencionais, outros pelo menos negligentes. Há que apurar não apenas as causas da dimensão desta prática – o que verdadeiramente ainda se não conseguiu até hoje – como há sobretudo que detetar e combater interesses que dela possam beneficiar.
A punição dos responsáveis, diretos ou indiretos, por tais crimes é não só uma exigência de justiça, mas deve servir também de mensagem dissuasora contra tais condutas. Não se esqueça porém que a ação das entidades políticas e judiciárias depende em muito da colaboração dos cidadãos com informações relevantes para provar esses factos. Haja a coragem de as prestar.
3. Sabemos que os incêndios dependem também do estado de conservação em que se encontram os terrenos e as florestas. Daí as medidas de prevenção, nomeadamente de limpeza das matas e de ordenamento territorial, que, neste ponto, têm sido promulgadas pelos responsáveis estatais. Há que respeitá-las, apoiá-las e segui-las.
Existem porém casos em que tais exigências podem ultrapassar as capacidades dos proprietários, quando os terrenos lhes proporcionam rendimentos escassos. Sendo, mais do que bens individuais, o bem comum que está em causa, há também que apoiar os proprietários com outros incentivos. E tratando-se de propriedades do Estado, seja este o primeiro a dar o exemplo no cumprimento das exigências que impõe.
4. Felizmente são cada vez mais os cidadãos que, entre nós, se empenham ativamente quer na prevenção quer no combate aos incêndios. Há quem se dedique, designadamente no verão, a serviços de atenta vigilância. Nisso e sobretudo no combate destacam-se os bombeiros pelo profissionalismo e o modo abnegado e desinteressado com que o fazem, arriscando a própria vida e, por vezes, perdendo-a mesmo. Honra lhes seja feita pelo serviço que prestam. Como são de louvar ainda as inumeráveis iniciativas e manifestações de humanismo e solidariedade que, mormente em casos de perda de habitações e outros bens, têm surgido entre nós.
Quer isto dizer que ainda existe, como de resto sempre existiu, o sentido do bem comum, absolutamente necessário para a prevenção e o combate aos incêndios. Há que promovê-lo e alargá-lo de tal modo que se torne dominante em toda a sociedade.
5. Para isso é fundamental que todos olhemos a natureza não como uma simples fonte de utilidade e rendimento económico e por isso facilmente sujeita a explorações de tal modo desordenadas que a destroem totalmente. Até mesmo por não nos ser possível viver sem ela, há que respeitá-la e valorizá-la, na sua bondade, harmonia e equilíbrio, como um dom que recebemos e um legado que devemos esforçar-nos por transmitir às gerações futuras.
Veja-se como o Papa Francisco reforça o mesmo, numa perspetiva crente: «A natureza entende-se habitualmente como um sistema que se analisa, compreende e gere, mas a criação só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal» (Laudato si', 76).
6. Finalmente, para a mudança de mentalidade e hábitos sociais, tão necessária para a prevenção e o combate aos incêndios, há que mobilizar toda a sociedade, nas suas diversas instâncias: o Estado com os seus responsáveis mais diretos; a Igreja e todas as outras confissões religiosas; as autarquias locais de maior e menor amplitude; as escolas nos seus sucessivos graus de ensino; a comunicação social nas suas diversas expressões; as mais variadas associações e muitas outras instituições, seja qual for a sua dimensão. Mas todos de forma concertada.
Da nossa parte, apelamos às comunidades cristãs a que tudo façam para comprometer os seus membros nesta causa que é tão cristã quanto humana.
Fátima, 27 de abril de 2017