Cuidadores Informais: Ser mãe, cuidadora e confiar sem perguntar «porquê a mim?» – Sílvia Artilheiro Alves

Durante cerca de 15 anos foi cuidadora do seu filho João que com um ano de vida foi diagnosticado com doença pulmonar crónica progressiva, epilepsia e paralisia cerebral

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 20 abr 2022 (Ecclesia) – Sílvia Artilheiro Alves, cuidadora do filho João, durante cerca de 15 anos, diz nunca ter perdido a fé no processo de acompanhamento da doença e perda do filho, aceitando a dor mas recordando “o genuíno amor” que conheceu.

“Sinto verdadeiramente um colo. Nunca duvidei do amor de Deus por mim, pelo João, apesar de toda a vivência na dor e no sofrimento que a doença nos trouxe. Não percebo o porquê, nem tenho de perceber. Não pergunto porquê? Decidi não perguntar. Há coisas que não são para percebermos agora”, explica ao programa Ecclesia emitido esta noite na Antena 1, pouco depois da meia-noite.

O João, o primeiro filho de Sílvia, teve, com um ano de vida, internado para tratar uma bronquiolite, e nessa ocasião teve contacto com outro vírus que lhe provocou doença pulmonar crónica progressiva, epilepsia e paralisia cerebral.

“Com um ano de vida tivemos de fazer à pressa o luto de um filho saudável mas foi com naturalidade porque eu estava lá e vi tudo a acontecer”, recorda.

Quando o João acordou da ventilação, “estava completamente diferente: de uma plasticidade e de um tónus muscular normal passou logo a ter uma rigidez muscular, tipo frango de churrasco, com uma hiper extensão muscular, e acordou cego, e assim esteve durante dois meses, sem explicação”.

Quando as pessoas dizem «Porquê a mim?» eu pergunto, porque não a mim? Quando a doença acontece, pode parecer fácil falar porque o sofrimento físico não era meu – às vezes, porque muitas vezes sentia como se fosse meu – mas porque não a mim? A nós? Se o meu filho nunca me fez duvidar disso, quem sou eu, sozinha, para duvidar? Eu não consigo explicar como é que aceitei a doença do meu filho mas aceitei a cada passo. Senti-me sempre reconfortada, apesar de haver alturas em que estava aflita com o seu estado de saúde”.

Sílvia Artilheiro Alves deixou de trabalhar, dois anos depois de o filho ter adoecido em 2005, tornando-se cuidadora informal do seu filho.

“A nível estatal não havia resposta para mim: era baixa atrás de baixa, até que tiveram de me dar alta obrigatoriamente. Quando tive alta surgiu a possibilidade de tirar uma licença especial – atualmente subsídio de assistência a filho com doença crónica ou deficiência – o que me permitiu ficar em casa”, recorda, tendo a partir daí começado uma luta pelo estatuto dos cuidadores informais através da associação então criada Associação Nacional de Cuidadores Informais – Panóplia de Heróis.

Com a regulamentação do estatuto dos cuidadores informais, no início do ano, a parentalidade está já protegida, mas Sílvia dá conta de um longo caminho “a percorrer”.

“Em termos de parentalidade a regulamentação protege o acompanhamento aos filhos, mas se falarmos na lei do cuidador informal, esta deverá ser mais abrangente, pois para o governo o cuidador é apenas um parente até ao 4º grau, mas há muitas pessoas que são cuidadas por vizinhas e estes não são reconhecidos pelo Estado e é injusto, do nosso ponto de vista”, indica.

João faleceu com 16 anos, em julho de 2020, e os pais prepararam com ele o que seria, “não apenas a sua despedida mas a celebração da sua vida”.

“O João participou de todas as decisões que havia a tomar sobre a sua morte. Ele tinha consciência da doença grave e sabia que não estaria connosco muito tempo. Ele escolheu onde queria morrer, as músicas que deveríamos ouvir ou não. Nós íamos fazendo as perguntas e ele ia dizendo o que queria ou não”, recorda.

A ausência do João é “um buraco negro no peito”, mas Sílvia Artilheiro Alves sublinha que a vida do seu filho teve o propósito de, “no mínimo, mostrar o amor genuíno para com todas as pessoas que o conheciam”.

Sem nunca ter falado, João expressava-se através de um caderno de comunicação e de olhares, “de um bater de pestanas incrível”, e de muitos sorrisos.

“Ele era de uma generosidade enorme, ele era a figura do amor. Não era preciso falar e conhecê-lo para saber traduzir o seu olhar e saber o que ele queria. O João aceitou a sua doença com um sorriso. Sofreu imenso, coisas que não nos passam pela cabeça. Mas às vezes ele parava com os esgares de dor para sorrir para a irmã”, recorda.

O João queria muito ter irmãos e conheceu ainda a sua irmã Maria Rita, hoje com cinco anos; Sílvia estava grávida de 10 semanas da sua terceira filha quando o João faleceu.

Eu abandono-me nas mãos de Deus, quando sinto que se está a aproximar o desespero, seja por que motivo for, ou a doença do João, o quadro demência da minha mãe, a falta de trabalho, faço o que a minha mãe me ensinou a fazer – entregar-me nas mãos de Deus. Não é uma relação qualquer a minha relação com Deus, é a relação, e dela partem todas as relações. A minha fé saiu reforçada, por mais que seja difícil este tempo sem ele fisicamente comigo”.

A entrevista a Sílvia Artilheiro Alves vai ser emitida esta quinta-feira, depois da meia-noite, no programa Ecclesia, na Antena 1, ficando depois disponível online.

LS

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