Presidente da Conferência Episcopal fala dos preparativos e da expectativa gerada pela segunda visita de um Papa à ilha, num momento de transformação que pede uma «palavra de esperança»
Cuba prepara-se para receber um Papa pela segunda vez na sua história. 14 anos depois da visita de João Paulo II, em 1998, Bento XVI vai deslocar-se à ilha entre os próximos dias 26 e 28, num momento de mudança para a população.
O presidente da Conferência Episcopal local, D. Dionisio Garcia, arcebispo de Santiago de Cuba, fala à Agência ECCLESIA sobre a expectativa gerada por este momento, no qual espera uma “palavra de esperança” e de estímulo, por parte do Papa, para as “transformações necessárias” no país, à margem de qualquer aproveitamento político de Governo ou dissidentes.
Agência ECCLESIA – Como estão a decorrer os preparativos para a visita de Bento XVI a Cuba?
D. Dionisio Garcia – Na viagem de João Paulo II (1998) tivemos ano e meio para preparar a visita, desta vez só tivemos três meses, pelo que pode imaginar, os cartazes chegaram na semana passada… Em Santiago de Cuba, tivemos de fazer um esforço a dobrar, porque do ponto de vista civil, é aqui que o presidente vai receber o Papa [cerimónia de boas-vindas no aeroporto internacional Antonio Maceo, dia 26], o que não é habitual. Isso também acontece da nossa parte, porque o Papa vai pernoitar aqui, em Santiago de Cuba, enquanto da última vez João Paulo II dormiu sempre em Havana.
A visita é diferente da outra, para nós é um desafio. Graças a Deus, tanto as autoridades civis como a Igreja e também o povo, todos foram tomando consciência do significado da visita e poderia dizer que, verdadeiramente, há um espírito de acolhimento e de espera a sua santidade Bento XVI, que não era tão conhecido entre nós como João Paulo II.
Esta visita acontece dentro do ano jubilar [pelos 400 anos da descoberta da imagem da Virgem da Caridade, padroeira de Cuba], com um triénio preparatório, o que vem potenciar o nosso projeto, o nosso plano pastoral.
AE – Muitas coisas já mudaram, nos 14 anos que passaram desde a visita de João Paulo II…
DG – Claro, claro. A situação mundial mudou muito, o país também sofreu transformações: neste preciso momento estamos num processo que podemos classificar como de mudança, com toda a incerteza que trazem as mudanças, com toda a diferença de opiniões que existe na população sobre a natureza e o alcance das mudanças.
Estamos numa situação diferente da de João Paulo II, muito fluída, por assim dizer, com muitas opiniões, há expectativa e, ao mesmo tempo, também muita desesperança: não se vê um projeto futuro concreto, embora haja promessas de que as mudanças vão continuar.
As relações Igreja-Estado também mudaram, neste momento há uma situação de maior comunicabilidade, acredito que a própria preparação da visita de Bento XVI tenha favorecido uma relação mais próxima. Esta comunicação permitiu que a Igreja se torne presente em situações da vida nacional nas quais antigamente seria impossível pensar.
AE – Na sociedade cubana, em geral, como é a relação entre católicos e ateus?
DG – Esse é um problema que aqui não se coloca. Houve um ateísmo estatalmente induzido, um ateísmo oficial, mas paulatinamente foi-se passando para uma maior compreensão, uma maior tolerância e, neste momento, as pessoas respeitam muito o plano pessoal da fé. Eu sinto-o assim, ao nível das relações pessoais.
Há sempre situações que é preciso melhorar sobre o papel da Igreja na sociedade e não só da Igreja mas também de outros grupos sociais, o que tem vindo a mudar, embora não possamos dizer que já chegamos ao topo.
AE – Como vê as situações recentes de ocupação de igrejas e as tentativas de aproveitamento político da visita de Bento XVI?
DG – Na situação atual há dissidentes e houve um grupo que decidiu ocupar igrejas. Isso não é algo que tenha acontecido, na história de Cuba, são pessoas que procuram beneficiar politicamente com este tipo de situações.
Nós não entendemos, de facto: se têm o direito a protestar, que o façam, mas não dificultem o culto de pessoas que vão ao templo com outras intenções. Digo-lhe que esta é uma atitude alheia à nossa tradição.
AE – Para os bispos de Cuba, contudo, será sempre delicado cumprir a sua missão sem que sejam vistos como aliados do Governo ou da oposição…
DG – Essa é uma situação que não tem a ver apenas com os bispos cubanos, penso que acontece em todos os lugares e aqui também. Nós temos de pregar o Evangelho e estar presentes junto ao nosso povo, o que significa tratar com todas as pessoas. Isso é o que fazemos, o que queremos fazer.
É verdade que há situações que se tornam mais críticas, delicadas, mas a vida é assim mesmo, não só para os bispos, para todos os cristãos.
AE – Que esperam as pessoas desta visita do Papa?
DG – A população espera, em primeiro lugar, pela sua palavra, uma palavra de esperança, de confirmação na fé dos católicos. A Palavra de Deus vai ser proclamada publicamente pela Televisão do país, o que já é muito para nós.
Penso que o povo cubano precisa de uma palavra de esperança e estou certo de que o Papa a vai deixar. Também vai deixar uma palavra para que não tenhamos medo de acolher Deus e realizar as transformações necessárias para que o povo tenha uma vida mais digna, melhor.
AE – Bento XVI vai apresentar-se em Cuba como peregrino…
DG – Sim, ‘peregrino da caridade’. O motivo da sua viagem é unir-se ao povo cubano, nos 400 anos da Virgem da Caridade. Uma imagem muito antiga, da paróquia de S. Tomás, em Santiago, esteve a percorrer a ilha [8 de agosto de 2010 a 30 de dezembro de 2011], um percurso similar ao que foi feito há 60 anos, quando Cuba cumpriu o 50.º aniversário da sua independência, mas desta vez muito mais amplo.
AE – Pode falar-se numa primavera da fé?
DG – Parece paradoxal, mas foi neste tempo em que tivemos limitações para a pastoral que a Igreja chegou mais aos campos, aos locais afastados e isso fez com que esta Virgem peregrina chegasse a locais insuspeitos. Foi uma verdadeira manifestação de fé, que poderíamos considerar um despertar da fé, mas que eu diria ter sido não só o despertar, antes a oportunidade de muitas pessoas expressarem esta fé publicamente.
Foi um tempo de graça, como foi o ano jubilar e, acredito, como vai ser esta visita do Papa.
AE – A visita do Papa ao México e a Cuba foi anunciada no contexto do bicentenário das independências dos países da América Latina. Como se associa a Igreja cubana a este olhar mais global sobre a região?
DG – Posso dizer, por exemplo, que entre as poucas pessoas que vão receber a comunhão das mãos do Santo Padre estará um estudante de El Salvador, porque queremos dar esse sentido latino-americano. Também vai estar presente uma estudante angolana, porque em Santiago de Cuba temos cerca de 300 estudantes de medicina vindos de Angola. Eles vão participar também nos cordões de segurança, na animação da visita.
Há ainda cubanos das várias províncias e outros que estão fora de Cuba, mostrando que a Virgem da Caridade é padroeira de todos os cubanos, onde quer que estejam.
OC