Homilia de D. José Policarpo na Ressurreição do Senhor Começámos a longa preparação da Páscoa, que é a Quaresma, com a meditação do Kerigma apostólico. Esse anúncio fundamental da fé cristã, resume-se à proclamação da Ressurreição de Cristo. O Apóstolo São João diz de si mesmo, perante o facto do túmulo vazio: “Viu e acreditou”. Para a Igreja nascente, como nos é dito na Leitura dos Actos dos Apóstolos, a conclusão é outra: “ouviram e acreditaram”. Ouviram quem? As testemunhas da ressurreição. Eles não se limitaram a constatar que o Sepulcro estava vazio. Eles comeram e conviveram com Cristo ressuscitado. Ouviram o quê? Essa certeza, por eles sentida e verificada: Jesus, o crucificado, está Vivo. Os que os ouviram e acreditaram, constituíram a Igreja de Cristo, que nunca mais deixou de proclamar que Jesus está Vivo, e nunca mais deixou de crescer, com o número daqueles que ouviram e acreditaram. A Igreja é, em todos os seus dinamismos e expressões, um culto da Vida, uma festa da Vida. É isso que nós, Igreja de Lisboa, queremos continuar a proclamar, com uma intensidade particular, no dinamismo do Congresso da Nova Evangelização que se aproxima, para que muitos outros oiçam e acreditem. Nas leituras da Sagrada Escritura, agora proclamadas, ressaltam dois aspectos essenciais e complementares: o inaudito do acontecimento e o seu significado para a História do Povo de Deus e da própria Humanidade. É que a compreensão dos acontecimentos mais significativos, aqueles que mudam as vidas, só se capta inserindo-os na História. Os verdadeiros acontecimentos não são isoláveis do passado e do futuro, mesmo se é no presente que eles comovem e transformam. Se eles esgotarem a sua mensagem no efémero do momento presente, eles são apenas factos. O acontecimento, chocante, surpreendente: o Corpo do Senhor morto desapareceu, o Sepulcro estava vazio. A corrida de Pedro e João, depois do alarme de Maria Madalena, mostra bem o carácter surpreendente da notícia. Todos eles ficam envolvidos no acontecimento, que não se esgota ali, pois o Senhor Vivo aparece-lhes e acabará por lhes enviar o Espírito Santo. Naquele acontecimento, eles compreendem, a uma luz nova, todo o sentido da história do seu Povo, a história de Deus com o Seu Povo, e percebem que um futuro inauditamente novo se abre para eles, para o Seu Povo, para a Humanidade. Essa apresentação do acontecimento da Ressurreição de Cristo como o centro e a fonte de sentido de toda a História, é clara no anúncio pascal de Pedro, relatado na Leitura dos Actos dos Apóstolos. Ele não pode anunciar a Ressurreição sem a situar no conjunto da vida de Jesus Cristo, desde o Seu baptismo no Jordão, o que situa a Ressurreição como plenitude da missão messiânica de Jesus e o início da missão da Igreja. E esse é o futuro anunciado no acontecimento da Ressurreição: “A nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos, mandou-nos pregar ao Povo e testemunhar que Ele foi constituído, por Deus, Juiz dos vivos e dos mortos”. Cristo Ressuscitado é o centro da História e a fonte do seu sentido definitivo. Antes de mais, da História passada, desde a criação do homem. Só no Homem novo que Jesus Ressuscitado é, a perfeita Imagem de Deus, se desvenda o mistério do homem, criado para ser imagem de Deus. É em Cristo, na união com Ele, que o homem se torna verdadeira imagem de Deus, como diz São Paulo: “Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na Glória” (Rom. 3,4). “Primogénito da nova criação”, Ele encerra, em Si, o sentido definitivo da criação, que passa, para aqueles que acreditam n’Ele, a ser olhada à luz da Sua plenitude, Cristo ressuscitado. Isto torna-se ainda mais claro no que diz respeito à História de Israel, o Povo da Aliança. Todo o Antigo Testamento encontra o seu sentido em Cristo ressuscitado, o que se torna, assim, a chave da interpretação e da unidade da História da Salvação. Só Ele manifesta a unidade e a coerência do desígnio salvífico de Deus, progressivamente revelado e realizado ao longo dos séculos. Cada etapa, cada descoberta, cada promessa, são anúncios de Jesus Cristo, que tudo realiza e tudo plenifica. N’Ele Deus diz a Palavra definitiva e realiza a plenitude da aliança concebida como pacto de amor e de intimidade de Deus com o Seu Povo. É por isso que o Novo Testamento O chama novo Adão, novo Moisés, novo Elias. É tudo isso, porque é o Filho de Deus cuja vida se manifesta, agora, na vida do ressuscitado. Mas a ressurreição decide, também, do sentido do futuro. Depois daquele acontecimento inaudito, cujo primeiro sinal foi o túmulo vazio, não há, verdadeiramente, futuro da humanidade sem Cristo. O sinal definitivo desse futuro novo é o Espírito Santo, cuja efusão definitiva foi tornada possível pela Ressurreição e se revela como a força decisiva da construção positiva da História. A Igreja, que acolhe conscientemente esse dom do Espírito e é o seu fruto visível, torna-se, por isso, o sinal visível dessa renovação da História, sendo seu agente e protagonista. A esta luz, tomamos consciência da importância da missão da Igreja e da sua fidelidade ao Espírito Santo, para a transformação positiva da História. Tornada sacramento de Cristo ressuscitado, o envio da Igreja em missão é a última manifestação conhecida do amor salvífico de Deus por toda a humanidade. Daí a urgência e a gravidade da missão da Igreja, que não é escrava de programas, nem faz proselitismo. A única força que a move é a vontade salvífica de Deus a que ela pode hoje obedecer com a radicalidade de Jesus Cristo. A exigência da santidade anuncia, na História, o sentido e a direcção do seu progresso. “Se ressuscitardes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo se encontra sentado à direita de Deus” (Rom. 3,1). Esta afirmação equivale às palavras de Jesus, referidas aos discípulos: eles estão no mundo, mas não são do mundo. A Igreja não evita, nem foge, a nada do que é significativo, para a construção da humanidade; mas introduz no processo histórico a tensão do definitivo, o ponto ómega, já presente em Cristo ressuscitado. Desejo a todos vós e a toda a Igreja de Lisboa uma Santa Páscoa. A sua celebração predispôs, certamente, os nossos corações para acolhermos o Espírito de Cristo Ressuscitado, e, com a Sua força, pelo testemunho da santidade, sermos pedras vivas na edificação de um mundo novo. † JOSÉ, Cardeal-Patriarca