Cristãos e vida pública

Intenção Geral do Santo Padre para o mês de Julho 1. Direito de participação na vida pública Este é um direito que vem com a democracia. Não é, porém, um direito que a democracia inventa e generosamente concede aos cidadãos. Pelo contrário, é um direito dos cidadãos, direito natural que resulta da condição mesma de pessoa e cidadão e que a democracia se limita a reconhecer. Tratando-se de um direito das pessoas, é anterior ao Estado e este, enquanto forma organizada de viver em sociedade, tem o dever de criar condições para o seu exercício. A perversão da democracia começa precisamente quando, em nome da mesma, se instala uma estrutura burocrática, centralizada e intervencionista, com a pretensão de regular a vida toda dos cidadãos, eliminando ou controlando as estruturas sociais intermédias e imiscuindo-se mesmo na vida quotidiana e nos comportamentos privados dos cidadãos. 2. Dever de participação na vida pública Ao direito de participação corresponde o dever de participar na vida pública. Este resulta também da condição de pessoa e cidadão – não se pode, porém, impor, antes fica ao critério de cada um. Não se trata de um tem de, mas de um deve, no sentido moral do termo. Daí que esteja sempre dependente da formação da consciência e, em muitos casos, do compromisso com ideologias ou modos de vida que se deseja ver respeitados e promovidos na sociedade. Não é por acaso que, entre nós, os cidadãos mais intervenientes e participativos na vida pública se apresentam com uma forte carga ideológica, visando aceder ao exercício do poder ou, pelo menos, à possibilidade real de influenciar o seu exercício. Como resultado, verifica-se um estreitamento do que se entende por participação na vida pública, ficando esta entregue aos partidos políticos, os quais, aparentemente, ocupam todo o espaço público, reduzindo a política a uma coisa de partidos e não a algo próprio de todos os cidadãos. 3. Cristãos e vida pública Participar activamente na vida pública é um direito e um dever de todos os cidadãos. Para os cristãos, é-o ainda mais, pois não lhes é permitido, em consciência e na fidelidade ao Evangelho, «conformarem-se» com este mundo. Se as dificuldades são muitas, as oportunidades e os meios disponíveis também são abundantes. Cruzar os braços e deixar acontecer passivamente o mundo à nossa volta já não é opção. Formar-se, informar-se e intervir, usando todas as possibilidades ao nosso dispor, contribui para o enriquecimento do regime democrático, valoriza o debate constante que o atravessa e promove modos de vida com provas dadas ao longo de séculos na humanização das sociedades e no progresso das culturas. Nem todos quantos se encontram activos na praça pública podem dizer o mesmo… 4. Que todos possam participar… Entre o direito e o dever de participar na vida pública coloca-se o poder participar. Em regimes ditatoriais, a questão resolve-se pela supressão, legal e pela força, de qualquer dissidência. Nas democracias, os impedimentos à participação de todos são de tipo diverso. Veja-se o caso daquelas democracias onde se vem afirmando de modo cada vez mais sistemático um laicismo de exclusão, para o qual tudo quanto tenha alguma ressonância religiosa deve desaparecer da praça pública e limitar-se ao âmbito estritamente privado. Este laicismo, sendo típico dos países ocidentais, de tradição religiosa judaico-cristã, aplica-se com especial empenho em excluir da praça pública os cristãos e o cristianismo – e, de caminho, vem desenvolvendo inevitáveis tiques de anti-judaísmo encapotado mas cada vez mais evidente. Como responder? Não lamentando-se, mas organizando-se para, usando os meios que a democracia põe ao nosso dispor, promover o nosso modo de vida, no qual acreditamos e que julgamos o melhor para a edificação de uma sociedade mais humana e justa. Ou seja, a resposta só pode ser maior participação na vida pública, afirmando claramente que, no debate público, os argumentos cujo fundamento é a fé cristã têm o mesmo direito de cidadania de quaisquer outros. Aliás, a maior parte dos argumentos que se cruzam na praça pública são da ordem do acreditar, mesmo quando não se trata de uma crença religiosa – afinal, até o ateísmo é da ordem da fé… Elias Couto

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Agência ECCLESIA

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