Crise ética na economia e na política

Ao longo do dia de Sábado, num seminário organizado pela CNJP, figuras como Laborinho Lúcio, Guilherme de Oliveira Martins, Ulisses Garrido ou Adriano Moreira reflectiram sobre a "Crise ética na economia e na política".

Tendo como ressalva a recusa de "euforias" ou "cruzadas" éticas (nas palavras de D. Carlos Azevedo ou de José Manuel Pureza) e sublinhando, portanto, a necessidade de actuar responsavelmente em vez de ideologicamente, ficou porém claro que já não há como defender a neutralidade axiológica do sistema económico vigente.

É imperativo denunciar a imoralidade de um modelo económico que tem vindo a aumentar as desigualdades, a causar profundas fracturas sociais e a pôr em risco até a sobrevivência humana no planeta.

Da mesma forma, a pretensão de que há um só modelo credível, um só sistema económico vencedor (o capitalismo neoliberal) não pode já persistir, pois as suas falhas estão à vista de todos e os excluídos do sistema aumentam, assim como aumenta a desigualdade entre ricos e pobres.

A Doutrina Social da Igreja criticou há já muitas décadas os riscos do crescimento desmedido e de uma economia que não está ao serviço do homem. Infelizmente, a chegada ao século XXI deu-lhe razão.

Por outro lado, esta "teologia de mercado" tem vindo a esvaziar o poder político do poder real (que se deslocou para o campo financeiro e económico – anónimo, não responsabilizável, inimputável), pondo seriamente em risco a necessária credibilidade das instituições, que é o pressuposto da democracia e da participação cívica (a pietas que, como lembrou Adriano Moreira, era, segundo Cícero, o dever do cidadão de se devotar ao serviço da comunidade e obedecer às leis, devendo porém revoltar-se contra o Estado caso este se afastasse da autenticidade).

Ora, "não há democracia quando os cidadãos sentem que não têm qualquer poder para mudar o sistema" (Laborinho Lúcio), daí a necessidade de transparência por parte das instituições, e de uma educação que saiba formar cidadãos críticos, exigentes, responsáveis.

Ao longo do século XX, referiu José Manuel Pureza, houve duas grandes crises que se assemelharam a esta: surpreendentemente, o professor não se refere a crises estritamente económico-financeiras, como a de 1929, mas às crises que se sucederam às duas grandes guerras mundiais e que fizeram o mundo mudar de rumo, gritando "Nunca mais!". Para a resolução dessas crises, surgiram grandes organizações e pactos internacionais, estabeleceram-se direitos humanos irrevogáveis, cuja defesa a nível internacional passaria a ser responsabilidade de todos, assumiu-se a autodeterminação dos povos como um direito e um objectivo.

O escândalo que as catástrofes das duas grandes guerras provocou, conduziu a estes projectos ambiciosos de "paz positiva". O que falta para que, também agora, se grite um "Nunca mais"? Para que sejamos mais audazes nos projectos de mudança? Faltará essa consciência do escândalo? A consciência do esmagamento da dignidade humana?

Mas "podemos fazer mais do que julgamos para a superação da crise" (Guilherme d'Oliveira Martins") nas suas múltiplas facetas. E há três palavras-chave que nos ficam, e que foram acentuadas por quase todos os oradores do seminário:

A confiança (entre o Estado e os cidadãos, ou entre os próprios co-cidadãos entre si), como pressuposto da democracia e do pluralismo que hoje é uma necessidade incontornável, para além de uma riqueza indesmentível;

A responsabilidade na construção crítica e dialéctica do Bem Comum;

A sustentabilidade, relembrando o conceito de "cidadania global" proclamado por João Paulo II, e que hoje se deve estender não só ao espaço como ao tempo, na preparação da vinda das gerações futuras que habitarão a Terra.

A crise permitiu-nos, portanto, denunciar de forma pública questões éticas que andavam relegadas para a esfera privada, mostrando-nos os desafios da realidade. Pensamento ou acção?, perguntamo-nos. Atitude profética ou política? Exige-se o equilíbrio entre ambas. Há escolhas a fazer e no momento presente isso torna-se mais evidente ainda. Agarremos a oportunidade de mudar de rumo agora, em tempo de crise (que etimologicamente significa "máxima oportunidade e máximo risco"), pois "os actores devem ser todos" (Ulisses Garrido), políticos e sociedade civil, leigos e cristãos – embora a responsabilidade destes últimos seja, porventura, maior ainda.

Joana Rigato

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