Padre Lino Maia, presidente da CNIS, alerta em entrevista à Renascença e ECCLESIA para a necessidade de realizar testes em todos os lares e de encontrar respostas de emergência, na pandemia, admitindo preocupações relativamente às crises que se vão seguir.
Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença)
Entre as associadas da CNIS, podemos dizer que a grande preocupação está centrada nos lares de idosos?
Lares de idosos e lares residenciais, convém ter também presente este setor, porque estes são lares onde estão pessoas com deficiência, normalmente sem retaguarda familiar, carecidos também de muitos apoios. E são provavelmente, até, a população mais fragilizada.
Claro que os lares de idosos são muito mais. Nas instituições associadas da CNIS estamos a falar de 843, mas depois há muitos outros, é certamente uma população, um conjunto de cerca de 2 mil lares, porque há lares de misericórdias, lares lucrativos e outros. Nestas alturas, diria que a contaminação atinge uns e outros.
Nos últimos dias, temos vindo a ouvir, de vários quadrantes, a preocupação com a falta de testes nos lares de idosos. Ainda esta semana, essa preocupação foi expressa, em entrevista à Renascença, pelo bispo de Aveiro e surgiram notícias, entretanto, de que há lares com mortes por Covid, sem testes de despistagem. Qual é a real dimensão deste problema e quais as suas principais implicações?
Esses casos de pessoas que têm morrido não são propriamente de instituições – IPSS ou Misericórdias – mas é evidente que o problema é igual. São necessários testes, testes, testes.
E faltam esses testes?
Faltam. Aquilo que tem sido garantido é que vão fazer testes quando há sintomas, sinais. É preciso começar por esses, certamente, mas precisamos em todos os lares, porque quando se encontram sinais, sintomas, provavelmente já é tarde, já o vírus anda em mais do que uma pessoa.
E há também essa dificuldade de testar toda a gente que está no lar? Ou seja, não testar apenas quem está com sintomas, mas todos os idosos e todos os funcionários.
Não pode ser apenas o testar. Isso é fundamental, muito importante, mas ao testar é importante que haja já um conjunto de respostas de emergência, como sejam residências alternativas, voluntários para substituir trabalhadores, equipamentos de proteção individual.
É importante que um teste seja acompanhado, de facto, desta bateria de respostas, até para não criar um alarme geral e, ao mesmo tempo, ter logo uma resposta alternativa.
No que diz respeito ao material necessário de proteção, ele foi chegando às instituições ou ainda falta muito desse material?
Falta muito. A CNIS e a União das Misericórdias estão muito preocupadas, porque não há equipamentos de proteção individual, ou estão no mercado a preços exorbitantes.
Vão chegando agora equipamentos que o Estado importou e penso que, nestes próximos dias, começarão a ser distribuídos pelas instituições, mas é evidente que isso deveria ter sido já há uma semana ou 15 dias. É um bocado tarde, mas é o que é.
É essa preocupação que leva as Instituições de Solidariedade a avançar para uma campanha de angariação de fundos para equipamentos de proteção? Subsiste essa dificuldade?
Sem dúvida. A campanha que a CNIS e a RedeMut estão a fazer simultaneamente é no sentido de angariar fundos para podermos fornecer às instituições os equipamentos necessários. Aliás, devo sublinhar que tem havido adesão por parte de algumas empresas.
O mais importante é que haja aqui um apoio sistemático, que é fundamental.
Recentemente lamentava que as Instituições de Solidariedade não estivessem a receber o apoio de que precisam, por parte do Estado. Mantém-se atual esse lamento?
Penso que está a faltar, de facto. Claro que neste momento somos todos a lamentar, porque são muitas as frentes de luta. É importante que não nos esqueçamos que nestes lares temos uma população frágil, a mais carecida de apoio, muitas vezes com um histórico de saúde já complicado. Estamos a falar de uma multidão de cerca de 200 mil pessoas, não apenas residentes em lares, mas pessoas também apoiadas pelas instituições que eram utentes de Centros de Dia, toda esta população precisa de atenção.
Alguns responsáveis por diferentes instituições, inclusive bispos, alertaram para o facto de muitas delas poderem vir a fechar, por razões financeiras. É uma realidade muito próxima? Podem não sobreviver a este tempo?
Eu diria que as instituições estão em risco já há bastante tempo e não apenas por esta crise. Aliás, julgo que em relação a esta crise – e tenho de ser justo -, o Estado tem protegido estas instituições, porque mantém o apoio que vinha dando a valências que encerraram. Isso significa que continuam a receber os montantes dos acordos de cooperação, o que acautela muitas situações.
Em relação às instituições que estão com idoso, aí seria importante que houvesse um reforço financeiro. Ele é necessário sempre, mas em particular, neste momento, relativamente a estas instituições. Estamos convictos de que vai haver um sinal positivo, nos próximo dias. Não será suficiente, mas é um sinal.
Julgo que com a resiliência e com o engenho, a arte dos nossos dirigente, estou convencido de que vamos conseguir manter o serviço que vamos prestando.
Mas é importante este alerta relativo à possibilidade de muitas instituições ficarem insolventes, para que esse sinal seja um sinal de esperança?
Isso está praticamente concretizado, digamos assim. Não vamos precisar de ver colapsos para ter esse sinal, mas é evidente, repito, que não é suficiente. É apenas um sinal de que o Estado reconhece que é importante não se deixar cair esse setor.
Podemos descodificar um pouco, esse sinal?
Vai haver um reforço financeiro, pouco, percentual. Está em questão se é para todas as instituições ou se é para aquelas que têm idosos ou que estão de portas abertas, a prestar os serviços necessários. É um reforço extraordinário, porque todos os anos negociamos a atualização dos acordos de cooperação.
Penso que este reforço extraordinário, embora seja muito pequeno, é um sinal positivo. Depois, veremos então a atualização dos acordos.
Esse reforço extraordinário decorre da crise pandémica que vivemos?
Posso dizer que sim. É a minha interpretação, aquilo em que tenho insistido.
Isso está negociado já com o Ministério da Solidariedade?
Está já quase concretizado, por estes dias posso anunciar, mas não queria ser eu, deve ser o Governo a anunciar esse sinal.
A renovação do estado de emergência prevê alterações no calendário escolar. Que implicações poderá ter, ao nível das instituições sociais?
Tem implicações e gostaria de sublinhar que as Instituições de Solidariedade, em todos os distritos, identificaram creches e infantários, para receber os filhos dos trabalhadores na saúde, na segurança e nas IPSS.
É evidente que haverá sempre, com o encerramento das escolas, dificuldades acrescidas. Haverá trabalhadores que mesmo assim, apesar da identificação de espaços, precisarão de ficar em casa, e isso afeta sempre.
E o que lhe parece a possibilidade de desempregados e trabalhadores em lay-off poderem integrar lares e hospitais, para poder responder à Covid-19?
Penso que é importante e estou convencido de que os próprios trabalhadores ficarão gratos com essa possibilidade, porque os trabalhadores, a classe trabalhadora em Portugal é uma classe solidária, responsável. Como estamos a enfrentar uma situação muito difícil, estou convencido de que eles próprios verão com bons olhos essa identificação, essa requisição, para trabalhar onde é preciso. E agora é preciso onde há pessoas, particularmente as mais frágeis.
Há sempre trabalhos que se podem executar com facilidade. Olho de forma muito positiva esta capacidade de as pessoas, face às necessidades, identificarem energias, capacidades, para satisfazer essas necessidades. Não estou pessimista.
Perante a crise da pandemia e a crise económica que se seguirá, que comportamento espera dos diferentes quadrantes da sociedade, em particular do setor financeiro?
Nós resolvemos o problema financeiro dos bancos, agora têm de ser os bancos a olhar para esta situação. É importante que a Banca esteja ao serviço da solução deste problema.
Estou confiante de que haverá sinais bons, por parte da Banca e da sociedade em geral. Os portugueses são extraordinários. Em primeiro lugar, agora, é importante que respeitem as orientações que estão a ser dadas: ficar em casa, o isolamento é muito importante. Depois, também, a solidariedade. Acho que é isto que se pede, respeitar as orientações que são dadas e solidariedade, solidariedade, solidariedade.
Como vamos sair desta crise? Temos ouvido muita apreensão, no setor social, com a saúde financeira das instituições, de que já falamos há pouco. O presidente da CNIS também está apreensivo?
Eu estou muito apreensivo. Penso que estamos no princípio da crise, que vai durar muito tempo.
Temo que, com o prolongamento da crise, os problemas se agravem. As Instituições de Solidariedade já viviam com enormes dificuldades, nós temos a prova de que 40% das instituições tinham resultados negativos, sistematicamente, com esta situação, que se vai prolongar, temo que isto se agrave. É importante que haja cuidado, atenção.
O desemprego vai aumentar sistematicamente, não tenho a menor dúvida. Vamos precisar de um programa de emergência, aliás já há pessoas que estão a estudá-lo, partidos que já estão irmanados nesta elaboração.
O ‘day-after’ vai-nos mostrar um país mais pobre, mais deprimido, com mais pessoas a precisarem de ajuda.
Também precisamos de mais solidariedade europeia e, aparentemente, dá a sensação de que nem todos estão a remar no sentido solidário?
É um facto. Lamentavelmente, a Europa solidária, a Europa social que emergiu no final da II Guerra Mundial e que deu tão bons sinais ao mundo, nos finais dos anos 60, parece que está agora em recessão. Isso é mau, muito mau. Nós só imaginamos uma Europa social, uma Europa solidária. É preciso que o mundo não erga paredes entre nações.