José Diogo Martins, vice-presidente da Associação, admite cenários de «escolha terrível» e sublinha que «critério da idade não deve ser um critério isolado»
Lisboa, 11 nov 2020 (Ecclesia) – O vice-presidente da Associação de Médicos Católicos Portugueses (AMCP) disse à Agência ECCLESIA que o atual cenário de pandemia pode obrigar a uma “escolha terrível” sobre os doentes a tratar, defendendo que a decisão cabe a quem cuida das pessoas.
“Os critérios técnicos e objetivos para alocar recursos a uns e não a outros, para sermos absolutamente sérios e rigorosos, devem ser determinados por aqueles que cuidam das pessoas num estado de cuidado intensivos avançados”, referiu médico José Diogo Martins.
O vice-presidente da AMCP realçou que “deve haver uma enorme prudência no modo como essas decisões são tomadas”, procurando que as mesmas sejam “ancoradas em ciência tão sólida quanto possível”.
“Isto é, procurando o máximo bem para o máximo número de pessoas, os critérios que determinam o modo de fazer esta escolha devem ser critérios médicos muito objetivos que fazem parte do dia-a-dia daqueles que vivem em ambiente de cuidado intensivos e serão eles os melhores para poder sugeri-los no concreto”, desenvolveu.
O entrevistado refere, por exemplo, que, enquanto cardiologista pediátrico, não seria “a pessoa mais indicada” para dizer quais é que são os “scores de risco que são aplicados a cada doença em particular ou poder dizer este doente tem maior probabilidade de viver do que aquele”.
“É importante salientarmos que a idade por si nunca deve ser um critério, não devemos em absoluto dizer que uma pessoa porque tem uma idade X não é lícito fazer-lhe tratamentos e uma pessoa que tem uma idade Y já é lícito. Este critério da idade não deve ser um critério isolado”, acrescentou o professor.
A Associação dos Médicos Católicos Portugueses abordou em abril o “aterrador colapso dos serviços de saúde e inúmeras fatalidades” provocadas pela pandemia, publicando o documento ‘Cuidados de saúde durante a pandemia Covid-19’, onde propôs “algumas linhas orientadores” para “ajudar os profissionais de saúde a tecer juízos retos e a tomar opções prudenciais”.
Na mesma linha, o Conselho de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos divulgou esta semana diversas recomendações.
“São critérios éticos são universais e para nós, médicos católicos, fundamentados naquilo que consideramos os valores e a fé que norteia a nossa vida. Nesta perspetiva, entendemos que pode haver situações em que somos confrontados com uma escolha terrível entre não ter a possibilidade de tratar todos e poder tratar apenas alguns”, referiu o médico José Diogo Martins.
O vice-presidente da AMCP assinala que existem “várias formas” de pode escolher qual o doente que as equipas de saúde irão tratar porque, no fundo, são “sempre obrigadas a tomar uma decisão”.
O entrevistado considera “inaceitável do ponto de vista ético” uma decisão com base na ordem de chegada ou uma decisão “aleatório”.
“Um terceiro critério, que seria um critério genérico que deve orientar toda a nossa prática, é o de procurar o máximo bem para o máximo número de pessoas. Por isso, como critério ético genérico este deve ser o que nos norteia, a nós médicos católicos, sempre reconhecendo que existe o chamado princípio do duplo efeito, em que podemos por vezes aceitar uma situação má quando não a pretendemos e ela decorre de outra situação boa”, desenvolveu o médico.
José Diogo Martins considerou também ser “importante” perceber que “não faz sentido a falar da eutanásia” nestes tempos, em que se vai “ao limite de cada um, das instituições e dos meios de trabalho”.
“O que estamos a decidir é a demonstração de que os seres humanos têm todos dignidade, independentemente da sua condição clínica ou da sua idade, das suas doenças de base ou dos fatores de morbilidade associados”, acrescentou.
Segundo o médico, a importância de documentos com orientações/recomendações, como os da Associação dos Médicos Católicos Portugueses e do Conselho de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos, é mostrar aos profissionais que não estão “sozinhos”, porque “estas decisões médicas podem ser profundamente solitárias”.
“Há o risco de as pessoas acharem que tudo cai nos ombros deles, mas na verdade o nosso trabalho é, exatamente, tão cedo quanto possível, ajudar as pessoas que estão no terreno a formularem linhas de orientação que os ajudem a tomar decisões em alturas críticas, de uma forma que seja boa para todos que acorrem aos serviços de saúde”, conclui José Diogo Martins.
CB/OC