D. Manuel Linda chegou há dois anos à Diocese do Porto, que hoje vive, juntamente com todo o país, um momento de crise e expectativa, por causa da pandemia de Covid19. Na entrevista semanal conjunta Renascença/Ecclesia, projeta o futuro próximo e a necessidade de uma resposta coordenada, com as comunidades locais, levando a sério a situação de emergência.
Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença)
Há um antes e um depois da Pandemia. Numa região em que ainda prevalece a agricultura, em que sectores como o têxtil e calçado, e em particular o do turismo estão na linha da frente dos mais afectados pela crise, é de recear o pior?
Não sei fazer perspetiva macroeconómicas, mas de qualquer maneira, é verdade que se até finais de junho não recuperar e não tivermos tranquilidade social para poder vir já o turismo de verão e depois aquele turismo mais de gente que passa apenas um fim-de-semana ou dois ou três dias, mas que é indispensável para relançar a economia no grande Porto, se de facto não terminar o coronavírus e a sua ameaça aí, em finais de junho, estamos mal.
Muitas empresas da região tiveram de recorrer ao lay-off, há muitos trabalhadores em dificuldade. Já lhe chegaram relatos de privação ou dificuldade?
Já. Basta dar um dado de um dos nossos centros paroquias que estava a servir cerca de 100 refeições está neste momento 350. É dentro da cidade do Porto. De qualquer maneira, é provável que agora pessoas que foram despedidas, às vezes de forma muito fria, do pequeno comércio, da restauração…
Pensemos nos brasileiros: uma parte significativa da comunidade brasileira entre nós está na restauração. É fácil descartá-los. Eles não vão reivindicar os seus direitos, até porque alguns não terão permissão de residência ou ainda estarão a tratar junto do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras.
Vamos juntar um aumento do desemprego que vai ser terrível, caso a revitalização da economia não seja efetiva.
Eu estou convencido de que as grandes empresas que são solidificadas, bem presentes no mercado de trabalho, são capazes de conseguir aguentar esta crise e recuperar outra vez o seu dinamismo, e, porventura, aumentá-lo. Incluindo as fábricas dos têxteis, as empresas que formam o nosso tecido empresarial.
O pequeno comércio, a pequena restauração, os cafés, restaurantes que vivem fundamentalmente do turismo, eu compreendo que tenham dificuldades incríveis e, porventura, não é de excluir, que uma ou outra tenha aproveitado estas dificuldades para se libertar em empregados.
Mas são realidades que um mês não é tempo suficiente para julgar.
Outro motivo de preocupação na região é o do número de infectados pela Covid-19, com percentagem superior a Norte. E que, senhor bispo, se pode explicar pelas características da economia da região e da sua disposição demográfica?
Estou convencido que a única razão é a demografia e a estrutura das nossas cidades. O grande Porto concentrado, uma parte significativa da população do Norte. Nos concelhos do Porto, Matosinhos, Maia, Valongo, Gondomar e Vila Nova de Gaia estão concentrados, uma parte significativa, mesmo muito grande, da população aqui do Norte.
É fácil que nestes contactos sociais, no mundo do trabalho, as pessoas se contagiem. Aquela reportagem, deve ter na sua mente, típica de quem não sabe o que diz, dizer que é as características da pobreza e tal… a pobreza está presente em todo o país e muito mais noutras regiões do país.
Entre os infetados – os idosos e em particular aqueles que vivem em lares – merecem uma reflexão muito particular. A avaliar pelas notícias nem tudo tem corrido muito bem na gestão deste problema.
Depende a quem se refere. Se se refere as estruturas centrais, não as noto no terreno. Se se refere à dedicação absolutamente extraordinária das direções e dos funcionários, daquelas que pertencem à Igreja ou das que estão fora, se se refere à presença das câmaras municipais, poder de proximidade, aí digo-lhe excecional.
Vamos distinguir o trigo do joio. O senhor bispo classificou de imoral a devolução de idosos infetados aos lares.
São os protocolos com os hospitais, do Ministério da Saúde…
Precisamente.
Eu não sei se, de facto, as estruturas nacionais, a nível da saúde, estão a dar-se conta do que é o problema dos nossos lares. Porque dizendo assim: cheguem lá e confinem-nos, no quarto isolado, devem ter um conjunto de trabalhadores para substituir. Mas quem está a dizer? Algum lar tem dois ou três grupos, um para o trabalho efetivo e outro de suplência? Quando uma parte significativa dos nossos trabalhadores uma parte está infetada?
Fazer esquemas no papel é a mesma coisa que agredir o bom senso. É preciso descer à realidade como ela é. Quem está nessa realidade, presente, são as estruturas diretivas e Câmaras Municipais que têm sido impecáveis, inacreditáveis nessa presença. São as Câmaras Municipais que estão a fazer os testes que o Ministério da Saúde não fez, até ao momento, aos velhinhos.
Este não é o momento de nos dividir, mas de nos juntarmos; não obstante nem tudo está a funcionar bem a nível nacional.
Eu ponho mais confiança nas estruturas locais, concretamente nas Câmaras Municipais, que têm dado exemplo de extrema dedicação.
A nível europeu entramos no bom caminho, ou falta ainda muito para podermos falar de verdadeiro sentido solidário?
Neste momento a Europa ainda não é uma Europa unida. É uma Europa em vias de…
Falharam muitos países da ajuda que a Itália e Espanha precisava. E notamos que cada país tenta resolver com as suas estruturas este problema que é global.
Insisto. Entretanto, isto não nos leva ao desânimo. A Europa é um projeto, não uma realização já obtida.
E a nível mundial, merecem reparos comportamentos como os dos presidentes Trump e Bolsonaro?
É evidente que o populismo é sempre balofo. O populismo nunca tem por detrás uma estrutura mental ou científica, nada.
Façamos uma avaliação destes dois anos como bispo do Porto, feitos esta quarta-feira. A falta de sacerdotes – transversal a todo o país – fê-lo pensar em algum momento em alterações na organização das paróquias? E ante, que avaliação podemos ter da parte do senhor Bispo destes dois anos?
Preferia que fossem os outros a fazer a avaliação. De qualquer maneira a nível da avaliação da diocese é o que a minha perspetiva desde o início: uma diocese extraordinária, bem estruturada, com imensas possibilidades.
O clero que nos falta é se pensarmos na velha estrutura, de cada paróquia, às vezes bem pequenas, ter um pároco. Julgo que neste momento não faz falta dotar uma paróquia com 200 ou 250 habitantes – e temos uma ou outra nessa linha, embora a grande maior parte não o seja -, não vivo desesperado com a falta de clero.
Se tivesse mais 20, 30 ou 50, tinha trabalho para eles? Óbvio que tinha. Mas enfim, o clero que é extraordinário aqui no Porto vai chegando e vai-se dedicando, ninguém fica sem evangelização por falta de clero ou sem sacramentos, porque um sacerdote não pode.
Quais são as grandes preocupações? As que teve quando chegou à diocese?
A preocupação é sempre de uma unidade que temos de construir em conjunto, como espírito de equipa, como presbitério e diocese única. Tenho um clero excepcional, um conjunto de diáconos meritório, são 99, três seminários a funcionar em pleno. Temos um laicado absolutamente espantoso, grande parte dos nossos serviços diocesanos estão confiados a leigos: na família, nas migrações e turismo, na catequese, enfim… tantos setores confiados a leigos e que desempenham com a mesma categoria aquilo que noutros setores é desempenhado por sacerdotes e diáconos.
Temos as estruturas a funcionar, não precisamos de nos preocupar neste momento com a economia, embora, logicamente, não possamos voltar a um cero anarquismo e este tempo que vivemos não é propicio a abrandar exigência. Enfim, temos as possibilidades de caminhar e temos vontade para o fazer. É isso o mais importante.
Sabemos que a situação económica da diocese é uma preocupação de D. Manuel. Há boas notícias nestes dois anos?
As melhores notícias: todas as dívidas foram saldadas e graças a Deus temos saldo positivo.
Que consequências são esperada do isolamento social nas instituições da diocese, paroquias ou serviços centrais? Está na linha do horizonte o recurso ao lay-off? Como salvaguardar os postos de trabalho?
Isso depende de cada uma das instituições, que terá de analisar: paroquias, centros sociais, ou outras estruturas, casas mais vocacionadas para serviços, enfim… Cada uma é que terá de analisar isso. Não vai ser o bispo a dar orientação genérica.
Já foram transmitidas informações a todas essas instituições para, de acordo com a lei e os princípios, analisarem.
Nós, a nível de diocese, pensemos por exemplo nos ofertórios. O mais significativo costumava ser a chamada renúncia quaresmal. Os cristãos da diocese eram convidados a deixar de lado alguma coisa que poupavam e partilhavam com quem mais necessitava. Por exemplo, neste ano tinha decidido que seria para arranjarmos camas de emergência para as pessoas em situação de sem-abrigo na zona do Porto. Obviamente que não tendo havido uma celebração normal da Quaresma, não tendo havido depósito das ofertas, este ofertório estou a imaginar, que vai ser praticamente nulo.
Aquilo que era o nosso objetivo de arranjar 10, 15, 20 camas porventura, para as pessoas em situação de sem abrigo, camas de emergência, este ano não conseguiremos.
Quem diz isto, fala noutros aspetos. Haverá paróquias com dificuldade em pagar aos seus funcionários. Vamos ver caso a caso como podemos intervir. Tudo depende do tempo em que esta situação e a possibilidade de fazermos o culto coletivo, esse tempo demorar. Se terminar rapidamente essa impossibilidade, recuperaremos facilmente, senão temos de ver como agir,
A Covid-19 tem sido um desafio do ponto de vista da ação pastoral. Como avalia a situação na Diocese? Como está a ser vivida esta Páscoa perante este grande desafio?
Embora de formas diversificadas, algumas mais bem pensadas outras mais ingénuas, foi notório que os sacerdotes e estruturas paróquias quiseram assinalar a ressurreição de Cristo de maneira original, já que as tradicionais visitas pascais não foram possíveis.
Graças a Deus isso aconteceu, os párocos estão muito presentes com os seus paroquianos, em contactos telefónicos, e através das modernas formas de comunicação, os nossos padres não estão a dormir. A Páscoa no Porto foi assinalada. De qualquer maneira estamos sempre em contactos, os sacerdotes comigo e eu com eles, para tentarmos em qualquer circunstância descobrir o melhor.
A relevância do setor da comunicação na pastoral diocesana, os tempos de isolamento social mostram a importância de ter redes de comunicação bem constituídas, não só para ouvir a palavra do bispo mas também para ouvir os diocesanos. A estrutura de comunicação na diocese está pensada ou tem de ser pensada nesses formatos?
Estamos a pensá-la. Vimos do clássico, do jornal, bastante lido, uma página de Internet e comunicações via email ou relativamente semelhantes quando necessárias. Tudo isto tem de ser repensado porque a estruturas e os tempos de hoje exigem mais.
Não temos nada na maga neste momento, mas a Diocese do Porto está a fazê-lo e a igreja em Portugal está a ver as possibilidades de uniformizar critérios e constituir alguma maneira uma grande central de comunicação. Não será uma televisão ou um jornal nacional, embora isso não seja de excluir. Está tudo a ser pensado e esta situação atual obrigou a esta urgência.
E é uma inspiração o ensinamento que o Vaticano e o Papa Francisco, em particular nos dão ao garantir proximidade diária com todo o mundo através de um serviço de comunicação que, por estes dias, é o principal serviço da Santa Sé.
Exatamente, a Santa Sé, com estruturas e pensamento que não vemos só de agora do Papa Francisco, embora os seus gestos tivessem levado exatamente a que as pessoas dessem um relevo e um crédito e uma atenção especialíssima ao que vem da Santa Sé. Isso mostra que é um exemplo para nós diocese, e até para o todo nacional, para qualquer outro país. Tentaremos não ignorar a mensagem.
Perante a renovação do estado de emergência, que mensagem gostaria de deixar?
Levemos a sério. Não obstante a economia sofrer, estou convencido que é agora melhor curar-nos e depois, quando estivermos com saúde, trabalharmos e trabalharmos no máximo, porque de facto há que renovar as estruturas de produção e há que ser consequente. Sabemos, muito bem, que com dois meses sem trabalhar, o produto interno bruto abranda de forma assustadora.
Sou de opinião de que levemos agora o confinamento muito a sério. Uma destas notícias, que circulam, diz que o confinamento que baixou de 76 para 57%, se a memória não me falha, em dois dias. Se isto é verdade é gravíssimo. Vamos ver, dentro de oito dias se os casos de contágio disparam ou não.
Por exemplo, suspender o culto público, não se esqueça que a Diocese do Porto foi a primeira a fazê-lo e muito antes de receber informação do poder central. Chegamos à conclusão de que as assembleias podiam ser foco de contágio e decidimos aquilo que no primeiro ou segundo dia, porventura, não foi bem encarado por parte de uma ou outra pessoa.
Portanto, estamos aqui para levar este tema muito a sério, quer a nível de evitar contágios, como a nível de ajudar a sociedade que precisa da nossa ajuda.