Corpo de Deus: Viver a festa numa sociedade em «grande mutação espiritual»

Professor António Matos Ferreira questiona espaço dado para o usufruto do «tempo sagrado»

Lisboa, 19 jun 2014 (Ecclesia) – O professor António Matos Ferreira, da Universidade Católica Portuguesa, considera que a queda do feriado do Corpo de Deus, festa católica que hoje se assinala, só foi possível numa sociedade em “grande mutação espiritual”.

Uma mudança que o diretor do Centro de Estudos de História Religiosa, em declarações à Agência ECCLESIA, disse acreditar que “se vai acelerar”, uma vez que “os ritmos de vida” são diferentes e o enquadramento da própria Igreja “mudou muito”.

“Por muito que queiramos impor determinadas coisas, nós por exemplo, católicos romanos, vamos ter que lidar com sociedades que o não são, e portanto vamos ter que lidar hoje com uma diversidade enorme”, aponta o investigador.

Diante do atual quadro, em que o feriado do Corpo de Deus estará pelo menos mais dois anos fora do calendário português, António Matos Ferreira diz que os católicos poderão escolher “dois caminhos”:

“Há as pessoas que consideram que a Igreja Católica só conseguirá valorizar o seu papel se tiver uma forte e significativa presença e tutelar a vida das pessoas; uma outra oposta é considerar que, como nunca, os católicos têm a oportunidade de viver no âmago da sua vida a extraordinária riqueza da festa do Corpo de Deus”, sustenta o docente.

Pessoalmente, o especialista em História Religiosa entende que há um aspeto bem mais preocupante do que a queda do feriado – “se há pão para todos e se todos têm direito à justa remuneração na sua vida, no seu trabalho, para poderem usufruir do tempo sagrado nas suas vidas”.

Isto porque por um lado, salienta António Matos Ferreira, “os cristãos nunca precisaram de feriado para celebrar a sua fé, durante muitos séculos celebravam o dia do Senhor sem prerrogativas especiais”.

Por outro, “muitas vezes temos feriados mas eles já estão esvaziados” do seu significado original.

Originária do século XIII, a solenidade do Corpo e Sangue de Cristo começou a ser celebrada em 1246 na cidade de Liège, na atual Bélgica.

Cerca de duas décadas depois, o rito litúrgico foi alargado à Igreja latina pelo Papa Urbano IV através da bula ‘Transiturus’, dotando-o de missa e ofício próprios.

Inicialmente, a celebração assumiu-se como uma resposta a determinadas posições que colocavam em causa a presença real de Cristo na Eucaristia e terá chegado a  Portugal no final do século XIII, adotando progressivamente a denominação de Festa de Corpo de Deus.

António Matos Ferreira recorda que a afirmação desta festa “coincidiu com o auge da sociedade de cristandade” no Ocidente.  

“E esse processo”, frisa o investigador, “encontrou na explicitação desta festa uma enorme simbólica, as pessoas compreendiam que estavam numa sociedade onde a glória de Deus se manifestava”.

HM/JCP

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