Adriana Abreu, Diocese de Setúbal
Sempre gostei de escavar as palavras, de conhecer de onde vêm e o que significam verdadeiramente. É como se, assim, ganhassem outra profundidade, se tornassem mais autênticas e permitissem um envolvimento maior com aquilo que expressam.
Ora, um dia falaram-me de coragem e isto dinamizou-me interiormente. É fácil pensarmos em figuras históricas que se demarcaram por esta virtude estóica em grandes atos – talvez até nos surjam à memória alguns nomes. Mais dificil é acreditar que o convite à coragem é algo que nos é dirigido pessoalmente, a mim e a ti, em pequenos e grandes atos, como virtude unificadora da vida, se aceitamos o caminho do discipulado de Cristo, que envolve seguimento e configuração mais do que admiração racional ou com distância de segurança – não fosse tal envolvimento ser desconfortável e incómodo.
A coragem é irmã da esperança. Muito para além de ser ausência de medo, é o ápice da confiança em como do outro lado do medo existe algo que vale a pena, algo que tem sabor a vida e vida em abundância. É uma força que se insurge com muito mais intensidade do que a força da resistência ao desconhecido e incontrolável. De maneira nenhuma é um impulso – a isso é dado o nome de imprudência. A coragem sabe que a dificuldade existe, mas sabe que não a suporta com as próprias forças e, por isso, não se pensa autossuficiente.
Coragem vem do latim coraticum que surge da associação de “cor”, que significa coração – metaforicamente sede das emoções, pensamentos, vontade e inteligência – ao sufixo atĭcum, que é usado para indicar a ação da palavra que o precede. Coragem significa, então, no seu sentido literal, ação do coração.
Cristo, Aquele que nos precede em tudo, foi, mais uma vez, exemplo deste modo de agir. Ainda há pouco celebrámos a semana maior de todas as semanas, que nos imerge no mistério pascal – Paixão, Morte e Ressurreição. A coragem salvou-nos e continua a salvar-nos! Quanta coragem foi necessária para ser fiel e agir segundo o coração, tão Humano quanto Divino; para olhar para além da dor e crer na vida nova para toda a humanidade que se segue à Paixão. A coragem é, de verdade, uma exigência da fidelidade.
Quanta necessidade existe, neste tempo em que a esperança está em crise, de testemunhar com a vida este Cristo que está atento e ousa mover-se segundo o coração do Pai – é que é preciso dar ouvidos ao coração para que possamos agir segundo aquilo que nele é plantado.
O Papa Francisco, na exortação apostólica Christus vivit, incita à coragem de mostrar outros sonhos que este mundo não oferece, a beleza da generosidade, do serviço, da pureza, da fortaleza, do perdão, da fidelidade à própria vocação, da oração, da luta pela justiça e o bem comum, do amor aos pobres e da amizade social. (CV 36) Quanta necessidade existe no mundo, talvez mais do que nunca, de quem se entregue a tempo inteiro a viver esta ousadia e apontar para ela como caminho de felicidade. Quão necessário é levar a vida a sério e fazer dela um lugar de coragem, na dádiva de si, sem reservas e até ao fim.