Cooperação: missão impossível?

Há quase um ano atrás, precisamente no dia 16 de Dezembro de 2005, a Agência ECCLESIA publicava esta notícia: “Quanto à comissão bilateral, prevista no artigo 23 (número 3), nasce para o desenvolvimento da cooperação quanto a bens da Igreja que integrem o património cultural português”. “A Comissão referida no número anterior tem por missão promover a salvaguarda, valorização e fruição dos bens da Igreja, nomeadamente através do apoio do Estado e de outras entidades públicas às acções necessárias para a identificação, conservação, segurança, restauro e funcionamento, sem qualquer forma de discriminação em relação a bens semelhantes, competindo-lhe ainda promover, quando adequado, a celebração de acordos nos termos do artigo 28”, pode ler-se. O novo tratado entre a Santa Sé e a República Portuguesa sublinha o empenho de ambas as partes “na salvaguarda, valorização e fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica ou de pessoas jurídicas canónicas reconhecidas, que integram o património cultural português”. Nesse sentido, o artigo 28 adianta que “o conteúdo da presente Concordata pode ser desenvolvido por acordos celebrados entre as autoridades competentes da Igreja Católica e da República Portuguesa”. Pensava-se que ia ser, finalmente, publicada a composição da parte-Estado da Comissão Bilateral. Quase um ano depois, tudo continua na mesma. O Governo, pensamos que através do Ministério da Cultura, continuou a fazer ouvidos moucos às repetidas lembranças de que estava em falta e fechando os olhos ao texto concordatário que dispunha a existência da Comissão Bilateral. Diz-se agora que está para breve, depois de mais um reparo público da Assembleia Plenária dos Bispos de Portugal, que o Estado corresponda ao que ele mesmo se obrigou. Cooperação. Já por aqui se vê como das palavras aos actos vai uma diferença abismal. Vencer traumas passados, concepções retrógradas da sociedade e do papel (supostamente) de serviço do Estado à mesma, dificuldades orçamentais e financeiras dum país em crise e uma Igreja que vive de parcas esmolas prenunciam uma difícil jornada de colaboração. No entanto, e talvez por isso mesmo, a cooperação deveria ser incrementada: para esclarecer os preconceitos dum passado atribulado e para potenciar as carências humanas e financeiras… Mas a Comissão Bilateral não esgota tudo. No ordenamento jurídico dos institutos públicos até agora em vigor, e correspondendo a tantas outras áreas do património cultural, tínhamos conselhos superiores onde a Igreja se fazia representar, não por qualquer desusado privilégio ou ingerência, mas para dialogar: dar-se a conhecer e conhecer constrói pontes, une margens, aproxima distantes. Nas áreas do património arquitectónico, dos museus e dos arquivos, existiam Conselhos Consultivos ou Superiores, conforme as designações adoptadas em cada instituto público da tutela. Dos três, só um funcionava: o Conselho Consultivo do Instituto Português do Património Arquitectónico, e isto durante o mandato das duas últimas presidências, incluindo a actual. Dos outros organismos, já não se ouve falar há muito… Estão em estudo as leis orgânicas dos novos institutos: esperamos que uma sábia e inteligente concepção da res publica mantenha essas plataformas intermédias de encontro e diálogo a bem da cooperação. O nosso património arquitectónico, arquivístico e documental bem como o património móvel musealizado bem o merecem. A relação entre o Estado e a Igreja não é só feita de sustos ou desilusões. Há também provas de boa relação e cooperação, não apenas ao nível da administração central, mas até e sobretudo ao nível local e regional. Os museus nacionais, e também autárquicos, que colaboram na inventariação e preservação preventiva do património móvel ou integrado, os serviços regionais do IPPAR e da extinta Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais cuja dedicação e interesse de muitos responsáveis e técnicos fazem milagres (quando encontram também bom acolhimento da Igreja, isto é, dos que lhe dão rosto e nome individualizados), o Instituto Português de Conservação e Restauro (ex-Instituto José de Figueiredo) que, antes da asfixia financeira que o paralisou, tão bons serviços prestou na formação/aconselhamento e recuperação dos bens móveis, fazem parte dum presente de entreajuda e cooperação que não podem ficar esquecidas. Esperemos que, contrariando o péssimo habito português da tábua rasa, não se pense estar a começar do zero, ignorando o bom que foi alcançado. Cooperar, significa também confiar. Não se resume tudo a dinheiro. Ou a leis, mesmo que sejam as melhores do mundo. A cooperação – que inspirou a Concordata de 2004 – assenta sobretudo nas pessoas que agindo de boa fé e sincero serviço ao bem comunitário olham ao património religioso como legado e testemunho, memória e futuro. Sejam elas os governantes, técnicos, clérigos ou os fiéis leigos membros das comunidades locais. Todos precisamos de conversão para realizar uma missão que não sendo fácil, não é impossível. Pe. Nuno Aurélio Director do Secretariado Nacional dos Bens Culturais

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