Os portugueses vão, a 11 de Fevereiro, pronunciar-se de novo sobre a questão do aborto. E do que se trata desta vez? Da liberalização do “aborto a pedido da mulher” desde que praticado “até às dez semanas” e em “estabelecimento de saúde legalmente autorizado”. A nova lei visa criar um curioso “direito ao aborto” concedendo total primazia à conveniência da mulher sobre o direito à própria vida do filho no período inicial de gravidez. Sem que se exija sequer, como acontece na lei em vigor, a existência de um conflito de “interesses” vagamente proporcional (direito à vida e saúde da mãe face ao direito à vida do filho, etc.). Não significa isto que a Lei actual é boa e a futura é má. Como recorda a última nota da Conferência Episcopal, mesmo esse conflito de interesses não pode justificar o aborto porque quando provocado este é sempre uma violação do quinto mandamento “não matarás!”. Mas isto não transforma a questão numa questão religiosa porque “este mandamento limita-se a exprimir um valor da lei natural fundamento de uma ética universal”. Só isso justifica que tantos sem fé recusem o aborto em qualquer circunstância. Neste caso, não há razoabilidade nem proporcionalidade. Invocar direitos de preservação da “dignidade social” é aceitar que o exercício da sexualidade da mulher e do homem deve permanecer sujeito à ditadura das aparências e das conveniências dando cobertura legal à mais retrógrada hipocrisia. Além disso omite-se que até o prazo (dez semanas!) não é mais do que uma concessão temporária. No projecto inicial do PS, a liberalização total era proposta até às doze semanas. E porquê este recuo para as dez semanas quando a ciência nos mostra que às oito o feto tem já todos os órgãos e estruturas que se encontram no recém-nascido e que estas só precisam a partir daí de “amadurecer”? Aparentemente a nova data surge apenas porque às dez impressiona menos do que às onze ” quando o bebé já chucha no dedo”. Curiosamente, contudo, a pergunta do referendo não fala em liberalização ou legalização. Fala apenas de “despenalização” criando a ilusão de que o que se pretende é tão só deixar de aplicar pena”. Como aconteceu, por exemplo, com a despenalização do consumo de drogas que nem por isso passou a ser considerado lícita nem legal. Fosse essa a questão e a Igreja não teria sequer de vir à liça porque nunca a sua prioridade da defesa da vida passou por questões de direito penal. Os bispos lembram mesmo que “as mulheres que passam por essa provação precisam mais de um tratamento social do que penal”. Subscrevo! Mas do que se trata não é de “despenalização”. Para isso bastava acolher uma das várias soluções jurídicas sobre a mesa. Trata-se de tornar a sua prática “legal” com o próprio Estado a obrigar-se a proporcionar os respectivos meios no SNS ou, em caso de necessidade, a custeá-lo em clínicas privadas desviando para esse fim os escassos recursos do serviço de saúde. Ou seja o Estado que não tem meios para proporcionar uma verdadeira cultura de “vida”, apoiando as mulheres em situação de grave carência económica, é o mesmo que garante que se a opção for pela “morte” os custos correm a seu cargo. “O nosso cargo!”. Como lembra a última nota da Conferência Episcopal “A mulher tem o direito a decidir se concebe ou não. Mas desde que uma vida foi gerada no seu seio, é outro ser humano, em relação ao qual tem particular obrigação de o proteger e defender” e o dever de respeitar a nova vida. Graça Franco Jornalista da RR