Conseguiremos nós, ser missão?

Catarina António, FEC – Fundação Fé e Cooperação

Desde criança que sempre vivi inquieta com o desejo de partir além-fronteiras. Queria, sonhava, ambicionava poder contribuir para dar resposta ao desejo que a minha mãe sempre teve para os seus filhos: que cada um de nós possa contribuir para deixar o mundo um lugar melhor. Percorri o meu caminho, com erros e acertos, com alentos e desalentos, mas com a inquietação própria de ir mais além.

Em 2005, quase num ato impulsivo, respondi imediatamente que sim quando me perguntaram numa comum chamada telefónica se queria ir em missão um mês para Moçambique. A minha impulsividade foi combinada com o desejo ardente de dar mais, no auge dos meus 21 anos. E fui. Vi um mundo que desconhecia, que apenas ouvia falar em reportagens televisivas ou nos testemunhos de outros que ia ouvindo. Desconstruí o mito que tinha impresso em mim, por tantas vezes que o ouvi dos meus “amigos” quando partilhei que ia partir: “vais para Moçambique salvar os pobrezinhos.” Não salvei ninguém, não salvei nada. Fui eu quem foi salva. Na dor do outro aprendi o que é a compaixão. Na ferida do outro entendi o significado de ser sal do mundo. Vi muita dor, muito sofrimento, muita pobreza (que até então não fazia ideia do que era, por sempre me ter sido proporcionada uma vida confortável). Não salvei ninguém, fui eu quem foi salva.

Um mês em Moçambique foi o “salto” para algo maior. No regresso, mudei de vida, mudei de “amigos”, mudei de curso…E dei início ao processo interior de partir para algo mais longo. Licenciei-me em educação social e em 2009 parti por um ano para Timor Leste. Fui por um ano, fiquei dois. Em Timor Leste encontrei o verdadeiro significado do amor e de ser com o outro. Vivemos sempre inquietos em querer ser “para”, “por”, “pelo” sem saber que a verdadeira felicidade está em ser “com”. Vi a dor do outro a doer em mim. Alegrei-me com os que sorriam e chorei com os que choravam. Aprendi a ser pessoa. Redescobri a essência de ser cristã.

Entrei num avião, com destino ao outro lado do mundo (literalmente) sem saber que não mais regressaria a mesma pessoa…Nem sonhava, no regresso, voltar a partir. Mas Deus ainda me chamava e voltei a partir, desta vez para o Brasil por um ano. No Brasil vivi a alegria de colocar em prática tudo o que aprendi em Moçambique e em Timor. Dar-se por inteiro. Ser por inteiro. Estar por inteiro.

Ao fim desse ano, tinha a pergunta a ecoar no coração: “e a tua família? Os teus pais, os teus irmãos, os teus sobrinhos…Não deverias estar mais perto, ser mais presente, partilhar o tanto que aprendeste e experienciaste?” A resposta foi, inevitavelmente que sim. E no regresso tive o grande privilégio de poder continuar a missão no percurso profissional: fui trabalhar para a FEC, uma ONGD católica que tem como missão “promover o Desenvolvimento Humano integral”, que cuida das pessoas (as de dentro e as de fora), que trabalha em prol de um mundo mais justo, mais fraterno e mais solidário. Aqui me mantenho até hoje, tentando em cada dia ser missão e viver missão em todas as dimensões da minha vida.

Neste percurso, agora em Portugal, a minha mãe viveu a sua Páscoa e pude ser missão junto dela e da nossa família nos últimos anos da sua vida e estou certa de que junto de Deus está de certo tão realizada como eu, por ver que tento ser fiel aos seus ensinamentos e que acordo todos os dias com o mesmo objetivo: tentar deixar o mundo (o meu e o dos outros) um pouco melhor do que o encontrei. E como o fazer? Sendo missão em todas as nossas dimensões e tentando, em cada dia, ser um agente de transformação social.

Catarina António
FEC – Fundação Fé e Cooperação

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