O sociólogo Alfredo Teixeira, do Centro de Estudos de Religiões e Culturas da Universidade Católica Portuguesa, fala à Agência ECCLESIA sobre a relação entre a Sociologia e o esforço missionário levado a cabo pela Igreja, perspetivando o próximo Sínodo dos Bispos, que de 7 a 28 de outubro vai debater no Vaticano a nova evangelização para a transmissão da fé.
O sociólogo Alfredo Teixeira, do Centro de Estudos de Religiões e Culturas da Universidade Católica Portuguesa, fala à Agência ECCLESIA sobre a relação entre a Sociologia e o esforço missionário levado a cabo pela Igreja, perspetivando o próximo Sínodo dos Bispos, que de 7 a 28 de outubro vai debater no Vaticano a nova evangelização para a transmissão da fé.
Agência Ecclesia (AE) – Que relevo será necessário oferecer às Ciências da Sociologia para definir projetos de nova evangelização?
Alfredo Teixeira (AT) – Falar de nova evangelização implica sempre reconhecer que as condições de comunicação do Evangelho se alteraram, não só pela forma como a própria Igreja se está a reconstituir, recompor e reformar permanentemente, mas também porque os interlocutores da sua mensagem vivem em situações sociais diferentes.
Pensar uma nova evangelização implica uma autocompreensão – o que é a Igreja, como viver o Evangelho e como vivê-lo em comunidade eclesial – a par de uma atenção àquilo que é a situação social das pessoas e à forma como a sua experiência se organiza nos tempos que vivemos.
AE – O teólogo Hervé Legrand desafiou a Igreja a olhar para o Concílio não apenas do ponto de vista teológico e histórico mas também sociológico. Pensa que esta perspetiva é imprescindível para a redescoberta do Vaticano II, 50 anos depois do seu início?
AT – Sim porque a nossa análise sobre essa assembleia baseou-se, em muitos casos, num olhar sobre um corpo de documentos, sem percebermos, porventura, que a Igreja também se diz na forma como se constituiu em concílio. A Igreja no Vaticano II afirma-se com determinado estilo, optando por uma forma de estar na sociedade e dialogar com ela. Neste momento o mais urgente é, talvez, pensar sobre esse lugar que é o Concílio, para além, evidentemente, de todos os seus aspetos doutrinais e das considerações que se fizeram a esse respeito. Passar da mensagem para o lugar de onde se emite parece-me ser uma dimensão de reflexão importante sobre o concílio.
Há uma tarefa contínua que ficou aberta no concílio: a de saber como construir o modo de ser Igreja a partir desse encontro. Esta tarefa não pôde ser concluída durante o Vaticano II nem os seus participantes, provavelmente, teriam essa ambição. Mas quando hoje refletimos sobre o que pode ser uma Igreja em estado de concílio, que procura construir consensos e que tenta enfrentar as realidades pastorais mais desafiantes, olhamos para um estilo de ser Igreja à maneira do Vaticano II. Penso que este é um traço importante que a reflexão sobre o concílio deve ter atualmente.
AE – Qual será a nova metodologia que é preciso reinventar para que a nova evangelização chegue aos destinatários?
AT – Penso que sob esse ponto de vista a Igreja perdeu grande parte da sua capacidade estratégica. Os recursos que ela tinha há algumas décadas, com toda a sua estrutura material, permitiam-lhe pensar a ação de forma concertada, ou seja, sabendo de antemão os efeitos resultantes de uma determinada opção. A realidade atual é contudo bastante mais incerta e difícil, e a Igreja está nela numa situação de maior fragilidade. Mas talvez desta maneira a Igreja possa descobrir na fragilidade um modo de estar, pelo testemunho, muito diferente e talvez muito mais eficaz do que noutros tempos.
Para que isso aconteça era necessário que a Igreja encontrasse modos de ler o que já está a acontecer. Uma das coisas que me preocupa quando faço uma aproximação do ponto de vista social e antropológico a esta realidade é parecer-me que, por vezes, as diversas instâncias eclesiais estão pouco atentas ou talvez não tenham encontrado forma de enquadrar e rentabilizar experiências que revelam sinais claros de um modo de estar diferente da Igreja.
Estes sinais podem ser muito simples: por exemplo quando uma comunidade encontra um modo próprio de estar junto de uma realidade ou quando uma congregação religiosa, que até está em declínio nas suas entradas vocacionais, descobre outra forma de traduzir e dar testemunho do seu carisma.
Esta atitude de alguma humildade e fragilidade, que leva as comunidades e as suas lideranças a uma atenção muito grande ao que já está a acontecer, tornando essas ocasiões uma oportunidade, pode ser um desafio muito grande para pensar os problemas da nova evangelização.
AE – Rejeitando formatos de outras décadas em que a Igreja se pode fixar…
AT – Alguns dos olhares sobre a nova evangelização enfermam desse problema: pensam que uma simples remodelação, quase cosmética, de algumas coisas que a Igreja fez no passado poderá dar resultado hoje. Mas a experiência que vivemos é de uma transformação muito radical, ampla e acelerada. A possibilidade de reagir a estas mudanças implica que a Igreja tenha a capacidade de reconhecer a sua energia própria. Também é preciso que possua formas de ler aquilo que é já a sua maneira de estar e tenha estruturas que possam recolher essas experiências.
Boa parte do meu trabalho de investigação tem estado muito próximo do terreno eclesial de base, onde tenho observado que muita da sua riqueza parece ter dificuldade em refluir para as instâncias de decisão e organização. Creio que neste aspeto haveria alguma coisa a fazer para a Igreja Católica poder pensar melhor o seu modo de estar na realidade atual.
AE – Estes problemas são passíveis de serem resolvidos num Sínodo?
AT – São sobretudo passíveis de poderem sofrer algum encaminhamento interessante numa Igreja em estado sinodal, ou seja, numa Igreja que para além deste Sínodo dos Bispos consegue desenvolver-se, afirmar-se e organizar-se de modo sinodal. Por outras palavras, uma Igreja que projete modelos de decisão em que as pessoas participem diferenciadamente. Esses processos, na medida em que podem ser alicerçados na realidade, estarão em condições de enfrentá-la melhor e construir um modo de testemunhar o Evangelho de Jesus mais provocante para o mundo de hoje.
PTE/RJM