Conclusões do Congresso sobre a Santíssima Trindade

Por ocasião da celebração dos 90 anos das aparições e sob a inspiração da aguardada nova igreja do Santuário, o Congresso propôs-se reflectir e meditar acerca da Santíssima Trindade, mistério nuclear e próprio da fé cristã. Nele se reuniram cerca de 300 congressistas para escutar e debater com vários especialistas, portugueses e estrangeiros (oriundos de Espanha, França, Itália, Alemanha, Grécia e Canadá), acerca das raízes, desenvolvimento, actualidade e implicações da fé no Deus Trindade. A reflexão desenvolveu-se desde estudos acerca da Sagrada Escritura até a abordagens contemporâneas no Mistério Trinitário (dos teólogos K. Rahner e H. U. von Balthasar), passando pela experiência e linguagem litúrgicas, pelo esclarecimento e desenvolvimento da profissão da fé cristã no cristianismo dos primeiros séculos – em polémica com os movimentos gnósticos –, pelas distintas mas complementares acentuações entre ocidente e oriente cristãos (sobretudo ortodoxo). Houve ainda oportunidade de reflectir acerca da significação actual deste aspecto constituinte da fé cristã e das implicações que dele decorrem para o modo de olhar a Igreja, o mundo e o homem como «imagem e semelhança de Deus». As aparições e a mensagem de Fátima revelaram-se particularmente fecundas para a reflexão empreendida neste Congresso. Na verdade, reconhecida a dificuldade de abordar a Trindade, pôde-se perceber, com o decorrer dos trabalhos, como a experiência do encontro com Deus feita pelos pastorinhos e a sua linguagem simples mas impregnada de «gozo e amor a Deus», concorrem para o esforço que os cristãos assumem de «dar as razões da sua esperança» (cf. 1Pe 3, 15), ganhando assim uma luz sempre nova a exclamação de S. Agostinho: «Vês verdadeiramente a Trindade se vês o Amor». SÍNTESES CONCLUSIVAS Destes dias de reflexão e trabalho poderemos extrair os seguintes aspectos conclusivos: 1)Reconhecer a pluralidade, a complementaridade e a interacção das vias para aceder ao Mistério do Deus Trindade – da experiência mística à busca sistemática de uma aprofundada inteligência da fé; da vida litúrgica às manifestações populares dos crentes; do exercício mais especulativo à singular experiência dos videntes de Fátima. 2)Esta pluralidade de vias é reflexo do excesso deste Mistério que tratamos – elas são abordagens de uma realidade que sempre nos ultrapassa e que, portanto, requer humildade crente a quem ousa aproximar-se dele. 3)A consciência da desproporção entre a grandeza do Mistério de Deus e a limitação dos recursos de quem sobre ele se debruça, não nos demite de reflectir, de meditar e de ter sobre ele um discurso – paradoxalmente, a consciência dos limites é essencial para que se possa aprofundar o sentido do Mistério confessado. 4)A experiência litúrgica e, em concreto, a linguagem doxológica emergem como «a fonte e cume» onde as diversas vias de abordagem da Trindade se encontram – reconhecer o lugar axial da lex orandi – lex credendi na integração dos aspectos diversos da experiência crente. 5)O Mistério trinitário é esclarecido «sub lumine Dei», luz que é transversal aos vários modos e tempos de encontro com a Trindade – sob a luz da Palavra, encarnada e escrita; sob a luz da experiência mística e litúrgica; sob a metáfora da luz com que os Padres da Igreja fazem entender a vida e as processões trinitárias; sob aquela luz que inundou e «encheu de gozo» os pequenos pastores de Fátima. 6)A teologia trinitária recebe do próprio Deus Amor a sua suprema fecundidade – Deus definitivamente revelado no Mistério Pascal, o Filho glorificado e o Espírito enviado: Ubi crux, ibi Trinitas. 7)A experiência dos videntes de Fátima revela-se fecunda para a descoberta do Amor de Deus: a beleza da luz refractada como imagem trinitária; a iniciação evolutiva dos pastorinhos ao Mistério trinitário; Deus na origem das aparições e que, no seu desenvolvimento e fecho, se vai manifestando como Deus Trindade. 8)Núcleo da regra da fé eclesial, a Trindade é a figura (Gestalt) concreta do monoteísmo cristão – a clareza deste traço da fé cristã permite ver como é ele que aproxima, mais do que separa, as diversas denominações cristãs; permite ainda encontrar na relação com outras religiões, monoteístas ou não, aquela consciência da própria identidade que torna o diálogo possível. 9)Nas aparições de Fátima faz-se a experiência de um Deus «contristado», isto é, um Deus compassivo para com a humanidade que lhe é infiel – é, no fundo, uma exortação à opção fundamental do Homem por Deus. 10)A confissão trinitária é uma perene proclamação da concretude e historicidade da fé cristã, bem como da pessoalidade e relacionalidade do Deus revelado, encarnado e tri-pessoal – actualidade manifestada na crescente recusa de um deus frio e puramente racional, próprio do modelo teológico deísta. 11)A confissão trinitária é ainda a resposta cristã – teológica e experiencial – quer ao paradigma modalista e/ou monista da realidade de Deus prevalente em certas correntes da Modernidade quer às formas contemporâneas com que se revestem as doutrinas gnósticas. 12)São vastas e fecundas as implicações da fé trinitária – a antropologia marcada pelo Mistério trinitário e o Homem como o caminho para Deus; a Igreja como ícone do Deus Trindade, tendendo para uma plenitude escatológica de comunhão. 13)Da identidade amorosa de Deus decorre a decisiva implicação espiritual da fé trinitária – e por isso plenamente teológica e pastoral – e, ao mesmo tempo, o critério fundamental de verificação da validade de um discurso acerca da Trindade: a caridade – Ubi caritas, Deus (Trinitas) ibi est. «Da luz – o Pai – nós conhecemos a luz – o Filho – na luz – o Espírito; teologia breve e simples da Trindade» S. Gregório de Nanzianzo, Discurso 31. (Pela Comissão Científica, H. Noronha Galvão)

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