Conclave: Pessoas, números e lugares da eleição

Foto: Lusa/EPA

Cidade do Vaticano, 21 abr 2025 (Ecclesia) – A eleição de um Papa obedece a rituais precisos, marcados por um clima de silêncio e segredo, seguindo as normas da Constituição Apostólica ‘Universi Dominici Gregis’, assinada por João Paulo II em 1996.

O documento foi alterado, nalguns pormenores, por Bento XVI, em 2007 e em fevereiro de 2013, poucos dias antes do fim do pontificado.

O Conclave, palavra com origem no latim ‘cum clavis’ (fechado à chave), pode ser definido como o lugar onde os cardeais se reúnem em clausura para eleição do Papa.

Segundo as normas atuais da Igreja Católica, apenas cardeais com menos de 80 anos podem votar, numa cerimónia que decorre em estrita confidencialidade na Capela Sistina.

Para a eleição de um novo Papa é necessária uma maioria de dois terços e as votações continuam até que um candidato obtenha a maioria necessária.

Salvo na tarde da entrada no Conclave, tanto na parte da manhã como na parte da tarde, imediatamente depois de uma votação na qual não se tenha obtido a eleição, os cardeais eleitores procedam logo a uma segunda – sem a obrigação de prestar um novo juramento.

Se após três dias e escrutínios o resultado continuar a ser inconclusivo, as votações serão suspensas durante um dia, no máximo, para uma pausa de oração, de colóquio entre os votantes e de reflexão espiritual.

Estão previstas três séries de sete escrutínios, com novas pausas, caso a eleição se prolongue.

 

Escolha da data

João Paulo II determinou que desde o momento em que a Sé Apostólica ficar legitimamente vacante [morte ou renúncia do Papa], os cardeais eleitores presentes em Roma devem esperar, durante 15 dias completos, pelos ausentes; decorridos, no máximo, 20 dias desde o início da Sé vacante, todos os cardeais eleitores presentes são obrigados a proceder à eleição.

Bento XVI abriu a possibilidade deste tempo ser antecipado desde que estejam presentes “todos os cardeais eleitores”.

No início do Conclave, os cardeais tomam Deus e os Evangelhos como suas testemunhas num juramento de “segredo absoluto” sobre todos os procedimentos que ali irão ter lugar.

 

Os eleitores

Entram em Conclave para eleger o Papa apenas os cardeais que não tenham já cumprido 80 anos de idade no primeiro dia da Sé vacante.

O número máximo de cardeais eleitores é de 120, fixado por Paulo VI, embora tenha sido derrogado, na prática, pelos seus sucessores.

O Colégio Cardinalício tem hoje 252 membros (135 eleitores, 117 cardeais com mais de 80 anos).

No Conclave vão estar presentes D. Manuel Clemente, patriarca emérito de Lisboa; D. António Marto, bispo emérito de Leiria-Fátima; D. José Tolentino Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação; e D. Américo Aguiar, bispo de Setúbal, todos criados pelo Papa Francisco.

108 dos cardeais eleitores foram escolhidos pelo Papa Francisco, 22 por Bento XVI e 5 por São João Paulo II.

Ao longo do seu pontificado, Francisco convocou dez Consistórios, nos quais criou 163 cardeais, entre eles os quatro eleitores portugueses.

Se um cardeal tiver recusado entrar no Conclave, não poderá ser posteriormente admitido no decorrer nos trabalhos, mas o mesmo não acontece se um cardeal adoecer durante o processo da eleição do novo Papa.

Segundo a legislação da Igreja, “nenhum cardeal eleitor poderá ser excluído da eleição, quer ativa quer passiva, por nenhum motivo ou pretexto”.

Desde 2013, quando os cardeais eleitores da Europa representavam 56% do total, Francisco tem vindo a alargar as fronteiras das suas escolhas, com uma mudança mais visível no peso específico da África, Ásia e Oceânia – então com 22 cardeais eleitores na soma dos três continentes.

Neste Conclave Europa representa cerca 40% do total, com 53 eleitores (alguns dos quais com responsabilidades eclesiais noutros continentes), a América com 37, a Ásia com 23, África com 18 e a Oceânia com 4. Os países mais com mais cardeais no Conclave, entre as 73 (49, em 2013) nações representadas, são a Itália (17 eleitores – 28, em 2013), Estados Unidos da América (10), Brasil (7), Espanha (6) e França

 

Quem pode ser eleito Papa?

Ainda que, em teoria, qualquer homem batizado, solteiro e em comunhão com a Igreja Católica possa ser eleito Papa, há quase 650 anos que o escolhido é um cardeal: o último pontífice vindo de fora do Colégio Cardinalício foi Urbano VI, arcebispo de Bari (Itália) em 1378.

O último não cardeal sem qualquer ordem sacra no momento da eleição pontifícia foi Leão VIII, a 4 de dezembro de 963, consagrado bispo dois dias depois.

O último não cardeal a ser eleito, como diácono, para o pontificado romano foi Gregório X, a 1 de setembro de 1271, que seria ordenado bispo em março do ano seguinte; o último cardeal a ser eleito Papa, ainda diácono, foi Leão X, em 1513.

A última vez que um cardeal, ainda padre, foi eleito Papa aconteceu a 2 de fevereiro de 1831, com Gregório XVI, ordenado bispo quatro dias depois.

Cada cardeal é inserido na respetiva ordem (episcopal, presbiteral ou diaconal), uma tradição que remonta aos tempos das primeiras comunidades cristãs de Roma, em que os cardeais eram bispos das igrejas criadas à volta da cidade (suburbicárias) ou representavam os párocos e os diáconos das igrejas locais.

 

Pessoas no Conclave

Além dos cardeais eleitores, está prevista no Conclave a presença de outros elementos, “para acudirem às exigências pessoais e de serviço, conexas com a realização da eleição”: o secretário do colégio cardinalício (D. Ilson de Jesus Montanari), que desempenha as funções de secretário da assembleia eleitoral; o mestre das celebrações litúrgicas pontifícias (D. Diego Ravelli), com oito cerimoniários (número determinado por Bento XVI) e dois religiosos adscritos à sacristia pontifícia; um eclesiástico escolhido pelo cardeal decano (D. Giovanni Battista Re) ou quem o substitui, para lhe servir de assistente; alguns religiosos de diversas línguas para as confissões, bem como dois médicos e enfermeiros para eventuais emergências; as pessoas adscritas aos serviços técnicos, de alimentação e de limpeza; os condutores que transportam os eleitores entre a Casa de Santa Marta e o Palácio Apostólico.

Todas elas são “devidamente advertidas sobre o significado e a extensão do juramento a prestar, antes do início das operações para a eleição”, pelo que prestam e subscrevem o juramento de segredo sobre tudo o que rodear o processo de eleição do novo Papa, sob pena de excomunhão.

 

Lugares do Conclave

João Paulo II decidiu que os cardeais ficassem alojados na denominada Casa de Santa Marta, situada no Vaticano, junto à Basílica de São Pedro.

Em 2005, pela primeira vez na história, os lugares do Conclave estenderam-se a todo o espaço do Vaticano.

Os cardeais eleitores continuam a estar submetidos à interdição de qualquer contacto com o exterior, mas não ficam encerrados num único local.

Com estas normas, os cardeais ocupam vários sítios consoante as suas atividades: o alojamento é na Casa de Santa Marta, as celebrações litúrgicas na Capela de Santa Marta – eventualmente noutras capelas -, e a eleição na Capela Sistina.

Os lugares do Conclave serão fechados por dentro (responsabilidade do cardeal camerlengo, D. Kevin Joseph Farrel) e por fora (responsabilidade do substituto da Secretaria de Estado, o arcebispo Edgar Peña Parra).

Desde as primeiras assembleias cristãs romanas aos cardeais, em 1179, a eleição de um novo Papa aconteceu quase sempre em Roma, em particular na Capela Sistina.

Nem todos os conclaves, contudo, tiveram lugar no Vaticano: cinco aconteceram no Quirinal, atual palácio da presidência da República Italiana; 16 decorreram noutras cidades italianas e sete em França, no período de Avinhão.

Esta será a 26ª vez que o Conclave decorre na Capela Sistina, que foi encerrada ao público e inspecionada para detetar equipamentos audiovisuais destinados a espiar os escrutínios.

As janelas foram obscurecidas, sobre o pavimento original foi construída uma plataforma e introduziram-se duas salamandras: numa queimam-se os boletins de voto e notas escritas pelos prelados, enquanto que noutra é produzido o fumo negro ou branco que manifesta para o exterior o resultado dos sufrágios.

O beato João Paulo II (1920-2005) referiu-se ao ‘Juízo Final’ na constituição ‘Universi Dominici Gregis’, que regula a escolha do Papa: “Disponho que a eleição continue a desenrolar-se na Capela Sistina, onde tudo concorre para avivar a consciência da presença de Deus, diante do qual deverá cada um apresentar-se um dia para ser julgado”.

Capela Sistina deve o seu nome a Sisto IV, Papa entre 1471 e 1484, que promoveu as obras de restauro da antiga Capela Magna a partir de 1477.

 

Início do Conclave

Está previsto que todos os cardeais se encontrem na Basílica de São Pedro para celebrar a Missa votiva ‘pro eligendo Romano Pontifice’ (para a eleição do Papa), sob a presidência do decano do Colégio Cardinalício, D. Giovanni Battista Re, com 91 anos de idade.

Mais tarde, os cardeais eleitores reúnem-se na Capela Paulina do Palácio Apostólico, de onde se dirigem para a Capela Sistina, em procissão solene, entoando o canto ‘Veni Creator’, para pedir a assistência do Espírito Santo.

Participam na procissão o vice-camerlengo (o arcebispo brasileiro D. Ilson de Jesus Montanari), o auditor geral da Câmara Apostólica e dois membros de cada um dos Colégios dos protonotários apostólicos, dos prelados auditores da Rota Romana e dos prelados clérigos de Câmara.

Os cardeais eleitores prestam, em primeiro lugar, o juramento de segredo sobre tudo o que diz respeito à eleição do Papa e comprometem-se a desempenhar fielmente o ‘munus Petrinum’ casos sejam escolhidos como o novo pontífice.

Terminado o juramento, todas as pessoas estranhas à eleição saem após a ordem ‘Extra Omnes’ (todos fora): permanecem apenas o mestre das celebrações litúrgicas e o eclesiástico escolhido para a segunda meditação.

Estes momentos de reflexão estão previstos na Constituição Apostólica ‘Universi Dominici Gregis’ (UDG, n. 13) e são outra das novidades da Sé Vacante, introduzidas por João Paulo II: a última meditação diz respeito à escolha “iluminada” do Papa.

Após a meditação saem da Capela o mestre das celebrações litúrgicas e o orador; os cardeais eleitores encontram-se a sós, na Capela Sistina, com os seus pares e todos os meios de comunicação com o exterior são proibidos.

O primeiro dos cardeais por ordem e por antiguidade pronuncia um juramento em que se compromete a “observar com a máxima fidelidade para com todos, seja clérigo ou leigo, o segredo sobre tudo aquilo que de qualquer modo diz respeito à eleição do Romano Pontífice e sobre aquilo que estiver no lugar da eleição”.

Nesta altura, D. Pietro Parolin preside à eleição como primeiro cardeal na ordem de precedência – dado que o decano, D Giovanni Battista Re, que dirigiu a eleição de 2013, e o vice-decano, D. Leonardo Sandri, têm mais de 80 anos de idade – verificando se não há obstáculos e procede-se à primeira votação; preside também aos momentos previstos pela liturgia própria.

Os conclaves do século XX tiveram uma duração sempre inferior a cinco dias e 14 votações.

 

Votação

O processo do escrutínio compreende a preparação e a distribuição das fichas pelos cerimoniários, – entretanto chamados para dentro do lugar da eleição juntamente com o secretário do Colégio dos Cardeais e com o mestre das celebrações litúrgicas pontifícias – que entregarão ao menos duas ou três a cada um dos cardeais eleitores; a extração à sorte entre todos os cardeais eleitores de três escrutinadores (responsáveis pela soma dos votos), três encarregados de ir recolher os votos dos doentes (infirmarii) e três revisores; esse sorteio é feito em público pelo último cardeal da ordem dos diáconos, o qual extrairá sucessivamente os nove nomes daqueles que deverão desempenhar tais funções.

Pela terceira vez na história da Igreja está prevista apenas uma modalidade de votação, ‘per scrutinio’, abolindo modos de eleição anteriormente existentes (por inspiração e por compromisso).

Para a eleição é requerida uma maioria de “pelo menos dois terços dos sufrágios, calculados com base nos eleitores presentes e votantes”.

No primeiro dia haverá apenas uma votação e, se o Papa não for eleito, terão lugar nos dias seguintes duas eleições de manhã e outra duas de tarde.

Se após três dias não houver consenso, há uma interrupção, no máximo de um dia, para oração, diálogo entre os eleitores e reflexão espiritual; prossegue-se, depois, para outros sete escrutínios antes de outra pausa e assim sucessivamente.

Se as votações não tivessem êxito, após um período máximo de 9 dias de escrutínios e “pausas de oração e livre colóquio”, o documento de João Paulo II abria a hipótese de a eleição ser feita “com a maioria absoluta dos sufrágios”, situação que foi revogada por Bento XVI em 2007, mantendo-se a opção de se votarem “somente os dois nomes que, no escrutínio imediatamente anterior, obtiveram a maior parte dos votos”, mas neste caso sem que os candidatos em causa possam votar.

 

Voto

A votação acontece com o preenchimento de um boletim retangular, que apenas traz impressa a menção ‘Eligo in Summum Pontificem’ (elejo como Sumo Pontífice) na parte superior. Na metade inferior está o espaço para escrever o nome do eleito, pedindo-se que os cardeais disfarcem a sua caligrafia.

O boletim é dobrado em dois e é levado de forma visível ao altar, onde está colocada uma urna, onde os cardeais, por ordem de criação, pronunciam o juramento: “Invoco como testemunha Cristo Senhor, o qual me há de julgar, que o meu voto é dado àquele que, segundo Deus, julgo deve ser eleito”.

O cardeal deposita o seu voto na urna, tapada pelo prato no qual o boletim tinha sido colocado.

 

Recolher e queimar

Os três escrutinadores sorteados no início do processo abrem cada um dos boletins, lendo o seu conteúdo em voz alta; os votos são perfurados onde está escrita a palavra “eligo” e presos num fio.

No final da recontagem são ligados com um nó, colocados num recipiente e posteriormente queimados.

Se houver lugar a uma segunda votação, contudo, os votos dos dois escrutínios e “os escritos de qualquer espécie relacionados com o resultado de cada escrutínio” são queimados em conjunto.

 

Fumata

Se o fumo que sai da chaminé da Capela Sistina for negro, significa que não houve acordo entre os cardeais; se for branco, que foi escolhido o novo Papa.

O Vaticano usa desde 2005 uma salamandra para queimar boletins de votos e eventuais anotações dos cardeais e outro aparelho auxiliar, com fumígenos, para que a cor dos fumos se possa distinguir da melhor maneira possível.

O fumo branco é produzido num equipamento eletrónico através da mistura de clorato de potássio, lactose e resina, mistura que substitui a tradicional utilização de palha molhada na queima dos votos.

O fumo negro é obtido pela mistura de perclorato de potássio (usado em fogo de artifício), antraceno (hidrocarboneto aromático) e enxofre.

 

Eleição

Uma vez ocorrida a eleição, resta ao novo eleito responder a duas questões:’Acceptasne eletionem de te canonice factam in Summum Pontificem?’ (aceitas a tua eleição, canonicamente feita, para Sumo Pontífice?) e  ‘Quo nomine vis vocari?’ (Como queres ser chamado?), naquele que é o último ato formal do Conclave.

O mestre das cerimónias litúrgicas é chamado, desempenhando funções de notário, e redige um documento de aceitação; dois cerimoniários entram e servem de testemunhas.

Este documento entrará em vigor imediatamente depois da sua publicação no jornal do Vaticano, ‘L’Osservatore Romano’, por determinação de Bento XVI.

Após a escolha do nome, cardeais prestam homenagem um a um os e apresentam a sua obediência ao novo Papa.

O anúncio é feito, em seguida, pelo cardeal protodiácono (Dominique Mamberti, cardeal francês de origem marroquina, presidente do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica) aos fiéis: ‘Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus papam’ (Anuncio-vos uma grande alegria: Temos Papa).

 

Fim do Conclave

O Conclave termina oficialmente com o assentimento dado pelo Papa eleito à sua eleição, a não ser que o próprio determine outro procedimento.

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