A migração: um bem de reciprocidade
A Jornada de Ação de Graças pelos 40 anos da Comunidade de Cabo Verde foi a festa de todas as gerações: mulheres que desembarcaram em Roma há 40 e mais anos para trabalhar junto das famílias italianas; homens e mulheres que chegaram após a independência deste país africano; famílias ítalo-caboverdianas, que surgiram de muitos matrimonios mistos; jovens nascidos noutros lugares ou em solo italiano que frequentam as escolas do país; crianças que já são da terceira geração, mas com o ritmo da coladeira na alma. Todos irmanados num só coração e num só espírito, num grande abraço por um mundo novo.
Dom Giovanni D’Ercole, bispo auxiliar de Áquila, presidiu, no domingo 22 de abril, a Jornada de Ação de Graças pelos 40 anos do Centro de Acolhimento da pequena Comunidade caboverdiana em Roma. Dirigiu, em nome da Igreja, palavras de grande reconhecimento, estima e apreço pela fidelidade da Comunidade ítalo-caboverdiana à vida, à fé, ao trabalho honesto, à família e às próprias tradições culturais e históricas. Foi um dia de encontro com pessoas e famílias que ele mesmo viu crescer e acompanhou espiritualmente no seu papel de assistente espiritual do Movmento Tra Noi, de inspiração orionita, e responsável pela animação do Centro de Via Sicília, situado na casa das Missionárias do Sagrado Coração.
A Missa Solene, marcada pela alegria pascal e pela unidade entre todas as gerações, foi celebrada na igreja do Santíssimo Redentor, em português e italiano, com cantos em crioulo, e contou com a participação de aproximadamente 600 pessoas entre imigrantes cabo-verdianos e seus descendentes que vieram da cidade e arredores de Roma, religiosas empenhadas na formação humana e cristã da Comunidade, autoridades consulares, amigos italianos e de outras nacionalidades, artistas e dirigentes de diversas associações. A Eucaristia foi concelebrada pelo pároco da paróquia São Camilo de Lellis, pelo diretor da Secretariado da Pastoral das Migrações de Roma e por outros sacerdotes que colaboram para garantir a missa dominical em português. Estas são as presenças significativas que ressaltaram a pertença destes cristãos, de origem africana, à vida e à missão evangelizadora da Diocese de Roma, a cidade do do Papa. Todos os participantes vivenciaram um dia de fraternidade inesquecível que exaltou os valores de tantos trabalhadores do serviço doméstico: homens e mulheres, colaboradores familiares, porteiros e empregados em outras atividades que representam o coração desta Comunidade com cerca de 11.000 presenças em Italia.
A parte cultural foi preparada e realizada pelos novos italianos, nascidos da comunidade cabo-verdiana. Os jovens, muitos deles com formação de ensino superior, apresentaram, para orgulho de todos os participantes, a cultura, a música e as danças típicas de Cabo Verde, juntamente com outras músicas características das novas gerações italianas, onde cresceram e se movem como fruto maduro da diversidade cultural e da integração.
A comunidade afro-atlântica de Cabo Verde, das múltiplas pertenças, intercultural, com raízes e história mestiças, entre as mais antigas da capital, com um forte movimento associativo que continua a ser um exemplo de integração que, embora sofrida, discriminada, explorada e não totalmente protegida socialmente no início, foi capaz de tomar o destino nas suas próprias mãos. Uma comunidade migrante que, do final da década de 1960, quando a Itália não se reconhecia ainda como país de imigração, alem da emigração que a atravessava, teve que organizar-se, defender-se, alfabetizar-se, denunciar injustiças, qualificar-se e sensibilizar as forças sociais e sindicais à sua situação específica de emigração feminina e africana.
A projecao de um vídeo representou o momento cultural da jornada, onde foram recordadas as muitas iniciativas de apoio a comunidade surgidas do coração de varias instituições em defesa do trabalho digno e promoção da vida em abundância. Foi lindo testemunhar como as ultimas pessoas chegadas, muitas ao abrigo do reagrupamento familiar, agradeciam e abraçavam com ternura e gratidão as da primeira hora, pioneiras do atual bem-estar, que vindas dos arredores de Roma, quiseram estar presentes com suas familias.
Esta foi também uma celebração do futuro, um sinal do compromisso coletivo de uma comunidade muito empenhada com a dignidade do trabalho, a humanização do serviço doméstico, no cuidado dos idosos, crianças e doentes numa sociedade que, como disse Dom D’Ercole, por vezes, confunde o bem com o mal e esquece os mais vulneráveis.
A historia desta pequena e antiga comunidade romana e’ sinal vivo de que a migração quando acompanhada e quando corresponsabiliza os próprios migrantes na sua integração social e eclesial e’ sempre um bem para quem pratica a arte do acolher na reciprocidade da vida, valores e fé.
Rui Pedro