Jornalista olha para o seu percurso pessoal e profissional, para os desafios que o Papa Francisco lança à comunicação social e afirma que a informação, sendo um direito, é também um dever
Lisboa, 08 mai 2024 (Ecclesia) – Paulo Nogueira, jornalista há 42 anos, alerta para a “tendência” de se “retirar o jornalista” na informação, lamenta a “exaustão informativa” que leva as pessoas a “desviarem o coração” e conduz à perda de relevância sobre assuntos importantes.
“Quando começamos a diminuir a importância do um acontecimento que era grave, começamos a ser pessoas quase que insensíveis aos problemas, apenas porque estão exaustos e desviam o olhar. Se desviamos o olhar, podemos desviar o coração, e quem desvia o olhar desvia o coração e, portanto, a partir daí, tudo é possível”, sublinha em entrevista à Agência ECCLESIA.
Paulo Nogueira indica estarmos expostos a uma “exaustão”, consequência de “horas a fio da mesma imagem”, que “retira força, impacto e significado” e que, em última análise, “faz, aparentemente, diminuir a gravidade da situação”.
A Igreja católica celebra no dia 12 de maio o 58º Dia Mundial das Comunicações Sociais.
O jornalista, que colocou um ponto final na sua carreia depois de acompanhar a Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, foi desafiado a olhar para as reflexões do Papa sobre a comunicação social.
“Eu compreendo porque é que chegámos a esta situação que se vive hoje. Claro que produzir comunicação hoje em dia começa logo por custar muito dinheiro. Mas há regras de ouro do jornalismo, que possivelmente estão a ser esquecidas e uma das regras de ouro, por exemplo, é de facto confirmarmos as fontes; há também uma preguiça intelectual, há um desleixo alimentado, porque não é valorizado a atitude correta nas redações e, sem querer generalizar, há uma tendência para a fasquia ir descendo e o que é grave é que não interessa o conteúdo. Ora, quando nós partimos deste princípio que não interessa o conteúdo, matamos o jornalismo”, acrescenta.
Nos últimos anos Francisco estimulou os jornalistas a “gastar a sola dos sapatos”, a “escutar com o ouvido do coração” e, este ano, olha para os desafios que a inteligência emocional lança à comunicação.
Paulo Nogueira iniciou a sua carreira num estágio na RTP, passou depois pela Rádio Renascença, tendo regressado posteriormente ao canal público; em 1992 esteve na equipa que deu origem à SIC onde permaneceu durante cerca de 30 anos e de onde saiu em 2023.
Ao longo de 42 anos de profissão, Paulo Nogueira viu o “fim de uma época e o nascimento de outra”, tendo passado por conversões tecnológicas que hoje, indica, marcam o fazer jornalismo.
Na sua carreia, tendo sido pivot de informação durante vários anos e coordenado emissões, Paulo Nogueira assume que o que lhe deu sempre mais prazer fazer foi “a peça”, “a reportagem”.
Quando escrevemos um texto, colocamos ali tudo o que somos, quer profissionalmente, pelas qualidades que temos para o fazer, mas também aquilo que somos como pessoa. E eu acho que é um bocadinho como um artista quando olha para a obra que acabou de fazer – eu olhava para as minhas peças sempre com esse sentimento de que eram obras minhas, que podem ter um impacto, porque nenhum trabalho jornalístico, é isento desse impacto na sociedade. E por isso é que ele é tão importante e a responsabilidade é tremenda. E nós, às vezes, esquecemos disso”, .
O jornalista lamenta hoje a “pressa” e “urgência” que, diz, estar a “destruir o processo de informar”.
“Estamos a retirar o jornalista da equação. Eu, muitas vezes, questionava-me se eu não estava a fazer parte também de um grupo de pessoas que, olhando para os outros, me estava a aproveitar da existência dele, ficando por essa superficialidade, por essa primeira capa, e quase que, a partir daí, aproveitá-lo para o meu trabalho e fazer dele o que eu quisesse”, explica.
Nós julgamos e tomamos partido muito facilmente e na comunicação social é muito fácil tomar partidos e, ao tomar partidos, aquela peça que devia ser uma obra de arte, já não é. Eu vivi toda a minha vida profissional a aprender que o jornalista é o filtro, e ser o filtro tem muito o que se lhe diga, porque pode ser perigoso. Eu acho que as pessoas também não podem viver só da informação que recebem e serem como esponjas a partir apenas do que recebem como se fosse a verdade pura. Em última análise, eu como cidadão, posso ser acusado de não ter querido saber, de não me interessar. A informação é um direito mas é também um dever”.
A conversa com Paulo Nogueira pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA na Antena 1, ficando disponível no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».
LS