Beatificação de Giuseppe Ambrosoli, missionário comboniano, motivou viagem marcada pelas diferenças culturais, mas também pela seiva que une quem dedica décadas da sua vida ao desenvolvimento e à justiça social
Lisboa, 14 dez 2022 (Ecclesia) – Henrique Matos, jornalista da Agência ECCLESIA, que esteve 12 dias no Uganda com o repórter de imagem Tiago Azevedo Mendes, recorda o espírito de comunidade, encontrado entre os missionários combonianos, que esbate diferenças e se une nas dificuldades.
“É interessante perceber como, numa casa onde chegam 30 missionários vindos dos Estados Unidos, Alemanha, Africa, Filipinas, e a forma como se reveem – não é gente estranha. Muitos já trabalharam juntos, em comunidades, em diferentes locais do mundo; alguns não se veem há 20 ou 30 anos mas é muito enriquecedor ver como estes homens partilham uma experiência de missão, amizade e cumplicidade de um passado que têm e um presente que desenvolvem junto das pessoas”, constata à Agência ECCLESIA.
“Uma cumplicidade maior que se expressa também na dificuldade de trabalhar em países em guerra, com as carências mais diversas, pela perda de missionários colegas de comunidades mortos no exercício da sua missão – não por perseguição à Igreja mas por criminalidade comum – e percebemos como isso cria uma união muito forte entre estes homens”, acrescenta.
Durante 12 dias uma equipa de reportagem da ECCLESIA esteve no Uganda para acompanhar a beatificação de Giuseppe Ambrosoli, missionário comboniano, com formação médica que tinha o desejo de “viver uma missão mais forte e autêntica” e permaneceu naquele país entre 1956 e 1987, data da sua morte.
“Ainda hoje o hospital, que ajudou a desenvolver, é uma estrutura essencial para toda a região de Kalongo, não só na assistência de cuidados de saúde, mas também como escola de parteiras muito importante para todo o Uganda e de enfermagem, onde são formadas raparigas essenciais para prestar cuidados de saúde e na diminuição da mortalidade infantil”, regista.
Mas as quase duas semanas entre Kampala, Gulu, Kalongo, Kalawat, Matani, Moroto e Jinja, mostraram o quanto a realidade africana muda percorrendo quilómetros e entrando no interior do Uganda.
“Ao sair de Kampala, em direção ao norte, entra-se em zonas onde a sociedade é culturalmente diferente: raízes étnicas e tribais marcam a diferença com uma influência cultural muito própria. O missionário tem de fazer um processo de inculturação muito sério com estas realidades locais. Dominar a língua, saber os costumes é crucial para depois conquistar o coração das pessoas”, dá conta.
E o desafio de inculturação vai-se esbatendo quando a população percebe que o missionário “é uma presença que auxilia, faz o bem e está do lado do povo em termos de justiça social”.
“Também o trabalho missionário tenta construir, devolver o sorriso, e construir humanidade. Mas depara-se com dificuldades: até que ponto a atividade missionária que é um anúncio de Evangelho, pode ficar apagada num trabalho de ONGD. Um missionário não pode deixar de dar uma ajuda material, tem de salvar também os corpos, e dai ser um trabalho mais exigente – trabalhar pela justiça, que significa construir já hoje”, explica.
Em Kalongo, à sombra do hospital que Guiseppe Ambrosoli ajudou a desenvolver, crianças amputadas, algumas nascidas assim, jogam entusiasticamente futebol.
É impactante. Incomoda quando vemos alguém correr a segurar num pau, onde pés não existem, corpos que se arrastam, chutam com o braço em posição de gatas, mas todos formam uma equipa e jogam de igual para igual – não se ridiculariza ou critica. Sentimo-nos pequenos diante deste cenário”.
“Encontrei uma população que faz uma vida de subsistência, vive da criação de gado, da agricultura, de pequenas coisas. Em outros países africanos assim acontece, vi isso em Angola e Moçambique – nestes países não é comum ter-se acesso a um vencimento mensal, o grosso da população vive de negócios próprios”, acrescenta.
Um contexto que se procura explicar por dialetos que “não se entendem”, pelos cheiros a terra molhada depois de vários dias de seca, “o ambiente quente e húmido próprio da linha do Equador”, conferem ao jornalista sensações que o ajudam a construir a narrativa a entregar ao público.
“O distanciamento não impede a nossa sensibilidade. Para trazer o que vi para uma realidade europeia, já que não posso trazer os cheiros, tenho a força das imagens, e tenho de construir uma narrativa que ali experimentei. Esse é o objetivo do jornalismo”, afirma.
O trabalho de reportagem no Uganda está disponível no site da Agência Ecclesia e a conversa com Henrique Matos pode ser acompanhada esta madrugada, depois da meia-noite, no programa Ecclesia na Antena 1 da rádio pública, ficando disponível no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».
LS
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