Comunhão na Esperança

Luís Serpa, Diocese de Lisboa

Diante de acontecimentos de guerra, de crise político-económica, de crise antropológica e social, até de crise religiosa, em que tudo parece desmoronar, ergue-se a desconfiança e um olhar cético, levando-nos a refletir, onde tudo isto nos poderá levar como Humanidade. A leitura dos acontecimentos tem sido feita, por vezes, num prisma individualista e pessimista, onde parece que nada faz sentido, e que nada é perfeito como desejávamos. É perante este ambiente com um tom acinzentado, que a Igreja nos relembra o dom e a virtude teologal da Esperança. O sentido e o significado da Esperança podem ser desdobrados em várias direções, mas, o cristianismo desde o princípio, só apontou o sentido da Esperança numa direção, e essa direção tem um nome, Jesus Cristo.

Juan Alfaro afirma que a «teologia da esperança exige a análise prévia da existência humana e da compreensão de si mesma, que o homem vive no ato do seu próprio existir, para descobrir que relação há entre a existência do homem e a sua esperança»[1]. Para descobrir o dom da Esperança «é necessário reconhecer o próprio vazio interior, as trevas do medo, da dúvida e do pecado»[2], isto é, perscrutar a nossa condição humana, o que muitas vezes evitamos fazer, porque nos leva a olhar para uma realidade que maior parte das vezes, não condiz com aquilo que achamos que somos. Poderemos perguntar-nos, o que é realmente a esperança? E o que é que implica a sua descoberta?

A esperança cristã é a ação de Deus, que se revelou e se cumpriu em Jesus Cristo. Ação esta, que tem um significado eterno para a salvação do Homem, e por isso anseia por uma resposta sem reservas. O dom do Espírito, como chamada à intimidade filial, permite-nos pelo dom gratuito da fé, olhar a Páscoa de Cristo como um gesto absoluto de Deus, que nos propõe confiar n`Ele com a entrega radical da nossa existência à sua promessa amorosa. S. Paulo anuncia a esperança cristã sendo a união total do homem com Deus, no amor e no perdão em Cristo, renunciando radicalmente a toda a auto-suficiência, a toda a tentativa de salvar-se por si mesmo e pelas suas obras, e a todas as seguranças terrenas. Nega «gloriar-se», para se gloriar na graça e no poder salvador de Deus, revelados na morte e ressurreição de Cristo. Diz S. Paulo, «Quanto a mim, não aconteça gloriar-me senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo» (Gl 6,14). O ato de esperança implica o abandono total de nós mesmos ao amor misericordioso de Deus. É uma decisão radical de compreensão da nossa situação concreta e de entrega total a Deus, que ama e perdoa sempre.

Contudo, perante os grandes desafios contemporâneos da Inteligência Artificial, do combate às alterações climáticas, da confiança descontrolada das redes sociais, da perspetiva ideológica e relativização do género, Joseph Ratzinger – Bento XVI dirá, de forma profética, que «a verdadeira e grande esperança do ser humano, que resiste apesar de todas as desilusões, só pode ser Deus – o Deus que nos amou, e ama ainda agora «até ao fim»[3].

A Esperança, no entanto, não é privada nem individual, Juan Alfaro afirmará que «a chamada radical de cada homem à esperança tem, pois, carácter comunitário»[4]. A vivência em comunidade, seja ela familiar ou eclesial, é essencial, porque é na comunhão entre os irmãos, entre pais e filhos, que a radicalidade da Esperança acontece pela presença de Jesus Cristo, «onde dois ou três estiverem em meu nome, eu estou no meio deles» (Mt 18,20), e é onde também o Amor Trinitário acontece, para que a sociedade atual possa ver Cristo.

Portanto, a Esperança realiza-se no concreto da vida humana na Comunhão. «Comunhão de futuro quer dizer comunhão de esperança»[5], isto é, diante de uma realidade com incertezas, conflitos e crises, que o imenso amor de Jesus se possa manifestar no amor ao próximo, próximo esse, de que muitas vezes nos afastamos, ou até, o julgamos. Só é possível compreender a presença de Cristo no outro a partir da disponibilidade a aceitar a sua fragilidade e a sua miséria, isto é, o seu pecado. É neste contexto, que o dom imenso da Esperança se encarna, e nos transforma naquilo a que fomos chamados a ser; filhos muito amados por Deus.

Luís Serpa

[1] ALFARO, Juan, Esperanza Cristiana y liberación del hombre, Barcelona, Herder, 1972, p. 15.
[2] FRANCISCO – XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DE SÍNODO DOS BISPOS, Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão, nº 14.
[3] BENTO XVI, Spe Salvi, n.º 27.
[4] ALFARO, Juan, Esperanza Cristiana y liberación del hombre, p. 15.
[5] ALFARO, Juan, Esperanza Cristiana y liberación del hombre, p. 16.

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