José Luís Nunes Martins
Quando se procura controlar alguém, uma das estratégias mais eficazes é a de o fazer desacreditar nos seus costumes, relações e referências. Para que se possa sentir tão livre, que, assim perdido, seja fácil de manipular.
A identidade de alguém depende de um profundo respeito pelo seu passado, pelas suas relações, mesmo as que já se quebraram, e por aquilo em que acredita. Nós não somos o que sentimos ou queremos: somos sobretudo o que recebemos dos que nos geraram e criaram. Não seríamos quem somos se tivéssemos nascido noutro contexto, tempo ou lugar.
Quem pretende que pensemos e escolhamos de forma diferente tem, por isso, de nos afastar das tradições, das ligações humanas, próximas e casuais, e dos nossos valores. O que fica quando tudo isto está em causa? Alguém, a quem se lhe tirou tudo o que recebeu e moldou a sua personalidade, está a precisar de uma orientação urgente, ficando mais aberto que nunca a propostas de vida que antes teria considerado imbecis.
Alguém com ligações enfraquecidas ao passado, nem valores ativos, não tem nada a defender e, por isso, é uma espécie de potencial mercenário, porque está à mercê de quem o conquiste para uma causa qualquer.
Quando se trata de tentar vender qualquer produto, em primeiro lugar, é preciso criar a necessidade dele. Sendo que se já existirem propostas semelhantes, então há que desacreditá-las.
A sequência é simples: quem nos quer manipular, prometendo-nos o céu da liberdade, corta as âncoras da identidade a fim de que, connosco à deriva, lhes seja muito mais fácil levar-nos para onde não iríamos. Só pode ser tudo, quem não é nada.
Isto resulta mesmo, tanto com os adolescentes que querem a admiração rendida e o amor de quem não os quer, como com uma qualquer ideologia política. Este tipo de utopias explora sempre os desgraçados, prometendo mundos e fundos a quem, como eles, não tem nada a perder.
Desrespeitar o passado, as ligações e os princípios de alguém é uma forma eficaz de aliciar, através da liberdade, à abertura completa a uma nova posição, em virtude do vazio que se cria.
A nossa identidade é definida ao longo do tempo, pelas nossas heranças (genética, cultural e familiar) bem como pelas nossas escolhas (a respeito de nós, dos outros e daquilo em que acreditamos). Sem a solidez desta coluna vertebral, deste tronco, seremos um nada à procura de alguma coisa, tão famintos que nos alimentaremos da primeira coisa que nos apresentarem. Depois de naufragados, aceitaremos qualquer mão que se nos estenda.
Há ainda outro fator muito importante: a multidão. Em conjunto com outros tendemos sempre a fazer coisas que nunca faríamos sozinhos, até porque é difícil encontrar alguém que se considere inferior a nós. Uma multidão é sempre infantil e importa que não nos deixemos converter pela sua irracionalidade.
O problema é maior porque são poucos os que percebem que a verdade não resulta da vontade coletiva. Ainda que haja unanimidade em torno de uma falsidade, isso nada altera a sua perversidade.
É tão importante que consigamos sempre respeitar-nos ao ponto de pensarmos e sentirmos por nós mesmos. Na verdade, o que pensam sobre mim não tem valor, só me deve importar o que sou.
Hoje vivemos num mundo onde se valoriza mais o temporário e relativo e do que o permanente e absoluto. O novo parece-nos ser melhor do que o antigo, porquê? Porque para nos venderem o novo, nos convencem a detestar o antigo, com tantos argumentos e sentimentos que… acabamos por nos deixar encaminhar para destinos que são no lado oposto aos nossos.
As relações humanas devem cultivar-se, não servem para as consumirmos.
A nossa herança é um valor que traz consigo a sabedoria, feita de sucessos e fracassos, dos que nos antecederam, não nos aprisiona ou pesa, antes nos permite voar para mais longe. As nossas escolhas devem ser alicerçadas naquilo em que acreditamos, concretizando a nossa liberdade da melhor forma possível.
Não podemos ser mais livres do que quando somos obedientes a nós mesmos. Respeitando e assumindo as nossas heranças genética, familiar e cultural.
Não nos devemos deixar levar por caminhos que não são os nossos, que fogem da verdade, ainda que nos prometam liberdade e felicidade.
Cuidado: eu não sou o centro do mundo. De nenhum mundo, nem do meu.
Sou chão dos que amo, de mais ninguém, muito menos o serei dos que apenas se querem servir de mim.
Sou um caminho. A caminho de mim. Rumo ao céu.