Com grande perplexidade li o texto do senhor Padre Miguel Neto publicado no dia 13 de dezembro na página da Agência Ecclesia, no qual acusou os católicos polacos de “estar na linha da frente contra o acolhimento dos refugiados, na fronteira deste país com a Bielorrúsia”. Em primeiro lugar gostaria de lembrar que para os imigrantes de países muito longinquos (Iraque, Somália, Afganistão e até Cuba) concentrados na fronteira bielorússa-polaca, a Polónia não é o seu país de destino. O alvo desta viagem é a Alemanha. Não é por acaso que em novembro se iniciaram conversações entre as autoridades alemãs e bielorrussas sobre uma eventual deslocação direta destas pessoas vindas por iniciativa do regime bielorrusso de Aleksandr Lukashenko através de um corredor humanitário para a Alemanha. Mas por fim, Berlim não concordou com a ideia. A política da Comissão Europeia continua a mesma, pois Bruxelas por várias vezes acusou o regime da Bielorrússia de destabilizar a situação na fronteira europeia, usando imigrantes. Além disso, o texto é omisso também em relação ao facto de que a mesma situação se vive na fronteira da Bielorrússia com a Lituânia e com a Letónia. Da mesma forma, não aparece no texto nem uma palavra de condenação ao regime da Bielorrússia, o qual orquestrou a crise!
Parece que para o autor convém colocar a crise fronteiriça para a misturar com o tema do campo nazi Auschwitz-Birkenau. Soa-me a comparação muito infeliz. Aqui o autor também não refere que o campo de extremínio foi alemão, mas com frequência menciona a sua atual posição geográfica, escrevendo que o campo existe na Polónia. Sem explicar que o campo foi estabelecido para eliminar inicialmente os membros da resistência polaca, o que para leitores que pouco conheçam a história pode ser lido como o país de autoria do campo. A conclusão será errada, pois em 1940 (quando o campo de Auschwitz-Birkenau foi aberto) a Polónia não existia, estando ocupada pela Alemanha hitleriana.
Tenho pena que o Padre Neto não tenha esclarecido no seu artigo que a Polónia foi o primeiro país a enfrentar a Alemanha Nazi e por isso tenha sido invadida e ocupada pelo agressor. No texto falta igualmente esclarecer que durante a II Guerra Mundial a Polónia foi completamente abandonada por seus aliados ocidentais, quando foi atacada pela Alemanha Nazi e depois pela Rússia Soviética. Assim, a Polónia permaneceu sozinha e esquecida durante os 45 anos do pós a guerra que se seguiram. Contudo, durante todo este período permaneceu uma regra: lutamos contra o opressor para libertar o país. Por isso, desde 1939 até 1989 seguiram-se inúmeras lutas e levantamentos da oposição clandestina polaca: a insurreição de Varsóvia, os protestes anticomunistas de operários em Poznan, Gdansk, Radom, Ursus, Katowice… Talvez devido a este contexto histórico, uma das pessoas que nas Jornadas Mundiais da Juventude em Cracóvia mais marcou o evento foi uma jovem vinda de Síria em plena guerra, que declarou que vai voltar para a sua pátria, pois ela é “como a mãe (…) que não se abandona enquanto está enferma”.
A sugestão do autor de que os católicos polacos não recebem os imigrantes está errada. Basta simplesmente ver as estatísticas. Na Polónia vivem atualmente 2,1 milhões de imigrantes, o que significa quase 4 vezes mais do que em Portugal. Destes, 1,3 milhões são ucranianos, entre os quais milhares vindos da Crimeia após a sua ocupação pela Rússia em 2014. O autor tem razão quando escreve que os imigrantes deviam ser acolhidos, mas devia esclarecer por que razão numa fronteira tão longínqua dos seus países aparecem no meio da floresta de repente milhares de imigrantes enganados por um ditador acompanhados por polícias do regime bielorrusso, usando a força e pedras para invadir as fronteiras.
Na opinião de alguém como eu, que conhece bem a realidade da Europa de Leste e as implicações da ditadura bielorrussa e a opressão que sofre desde há anos a oposição democrática nesse país (também não mencionada no texto), o senhor Padre Neto da Diocese do Algarve não será a meu ver a pessoa mais indicada para julgar, como acentuou na última frase do seu texto, quem é melhor e quem é pior católico.
Marcin Zatyka (jornalista)