Comemorar S. Geraldo: Recordação actualizada

Homilia de D. Jorge Ortiga S. Geraldo, o organizador da cidade de Braga depois do período da reconquista, “no cumprimento do seu dever pastoral e nobre desempenho da sua missão”, já doente, arrastou-se até Bornes, concelho de Vila Pouca de Aguiar, onde consagrou a Igreja, pregou e administrou o Sacramento do Crisma, “ e no dia 5 de Dezembro de 1108, reunidos os padres da sua comitiva, deu-lhes a bênção, ouviu Missa, comungou e morreu, voando a sua alma gentil ao céu, para viver com Deus”. Assim Mons. José Augusto Ferreira descreve a morte de S. Geraldo. Acontecida no dia 5 de Dezembro de 1108 quer dizer que no próximo ano teremos a celebração dos 900 anos do seu falecimento. É mais um evento a preparar e aproveitar para compreender o significado da sua vida como padroeiro da cidade e como modelo para toda a Arquidiocese. Os tempos são outros e os âmbitos de intervenção alteraram-se. O tempo do Senhorio dos Arcebispos está, graças a Deus, ultrapassado mas resta-nos o dever de reequacionar o relacionamento entre o poder político e o serviço religioso. Outrora o conceito de cristandade unificava, agora o regime da separação e a concretização duma laicidade justa e positiva traz consigo outras exigências. Importa que, mutuamente, nos consciencializemos da autonomia das realidades temporais que, precisamente por isso, se regem por normas próprias e orientações específicas. Impõe-se, porém, que nesta independência não se prescinda de instâncias e motivações éticas que encontram o seu fundamento em algo não opcional e determinado pela livre vontade de alguns intervenientes mas que se radicam na essência do homem e no seu estrutural sentido religioso através do qual se exprime a sua constitutiva abertura ao transcendente. Isto supõe que a Igreja seja capaz de propor, e tentar preservar, as reservas de energias morais que acompanham o agir quotidiano do cidadão e que o poder legitimamente constituído aceite, como natural e humana, esta proposta eclesial. Com isto não queremos fugir às críticas ou sugestões que o nosso empenho público na edificação duma sociedade mais justa pode merecer. Mais ainda, a própria hostilidade e confronto podem tornar-se enriquecedoras desde que manifestadas numa parceria que congrega as boas vontades para o bem de todos. Já nos atemoriza mais a indiferença ou empenho na promoção camuflada de pseudo valores que possam querer significar irrelevância ou falta de consideração. Não ignoramos, em tempo de Presidência Portuguesa da União Europeia, uma tendência secularizante que, muitas vezes, se acolhe dum modo acrítico destruindo a nossa identidade religiosa, moral e cultural através dum desprezo ou desconsideração dos valores. Esta necessidade de reflectir em comum, onde o contributo de cada um se torna imprescindível, para uma celebração dos 900 anos, pode conduzir a Igreja à redescoberta duma pastoral urbana mais delineada e a sociedade civil a reconhecer que a cidade deve estar ao serviço dum humanismo integral onde todas as dimensões são devidamente equacionadas. Fundamental é a vivência duma comum dignidade da pessoa humana a exigir igual tratamento e uma solidariedade efectiva que harmoniza diferenças e destrói distâncias económicas. Tudo converge para a cidade e tudo parte da cidade. Esta é um hino onde todos aprendem, e de que nos deveríamos consciencializar dos seus conteúdos sabendo, à partida, da existência de muitos mundos que nada testemunham em termos de humanismo. Em muitas áreas a evolução não aconteceu mas, queiramos ou não, está a acontecer uma regressão em muitos aspectos. Deixando estas e outras perspectivas para um desenvolvimento posterior, aproveito este dia para lembrar o trabalho que a Arquidiocese, e nesta as paróquias, está a efectuar para que interpretemos um projecto de ser uma família de famílias. Pode parecer uma utopia. Acredito que o futuro da humanidade passa pela família e reconheço que o concelho de Braga teria outra fisionomia se testemunhasse a existência duma única família onde as desigualdades se atenuam e as oportunidades são iguais para todos não só nos discursos e iniciativas ocasionais mas no concreto. Urge intensificar uma nova mentalidade duma solidariedade activa e duma sensibilidade efectiva que acorda corações e congrega vontades para resolver muitos problemas que ainda existem. Preparemo-nos para os 900 anos da morte de S. Geraldo e tornemos o seu milagre dos frutos um compromisso para que as nossas comunidades sejam humanas. Sé Catedral, 05-12-07 D. Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga

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