Caríssimos irmãos e irmãs!
Nesta tarde contemplamos Jesus suspenso na cruz, contemplamos um só Homem-Deus elevado sobre um calvário, que concentra em si todas as dores da humanidade sedenta de redenção.
Desde aquela tarde de Sexta-Feira Santa, onde quer que se eleve um crucifixo, há um sinal de esperança para a multidão, há um sinal do amor humano e divino, única realidade que salva. Adoramos o crucificado porque é Deus, glorificamos a Sua paixão, porque nos abre as portas do amor, celebramos a Sua entrega porque queremos associar-nos a ela com a oferta de nós mesmos em favor dos irmãos.
O Antigo Povo de Deus profetizou nos Cantos do Servo de Javé a paixão de um só, homem de dores, acostumado ao sofrimento, ferido de morte por causa dos pecados do seu povo. Nessa linguagem profética, esse homem que oferece a sua vida como sacrifício de expiação, justifica a muitos, torna-se origem de uma grande descendência e faz prosperar a obra do Senhor. O mesmo Povo de Deus, apesar de pequeno, assume a missão de ser sinal da bondade e do amor de Deus em toda a terra, nunca desistindo de proclamar os seus louvores com a sua voz e com a sua vida.
A Epístola aos Hebreus reconhece na pessoa de Jesus, o Filho de Deus, a realização da antiga profecia de Isaías, e reafirma que, por meio de um só nos veio a misericórdia e a graça do auxílio de que precisamos. Na sua obediência, Ele tornou-se para todos os que lhe obedecem a causa de salvação eterna.
Hoje e sempre, ao contemplarmos o crucificado levantado sobre o mundo, também nós professamos a nossa fé no poder da sua paixão e nos unimos a ela na esperança da redenção de todo o mundo.
Ao olharmos para Jesus crucificado como um só, que se oferece por todos e se torna a esperança e a vida do mundo, compreendemos que também cada um de nós é chamado a oferecer a sua vida em favor da humanidade.
Ao olharmos para o Crucificado reconhecemos que a nossa vocação pessoal não é indiferente a toda a humanidade, mesmo que o alcance da nossa vida e das nossas obras seja uma pequena gota de água no mar imenso, ou uma pequena semente no grande campo do mundo.
Costumamos dizer que, quando se salva alguém se salva toda a humanidade e que quando se perde e condena alguém também lá se perde um pouco de toda a humanidade. E é verdade: salvamo-nos um pouco quando se salvam os outros e morremos também um pouco quando morrem os outros.
Não somos insignificantes, nem cada um de nós, nem cada um dos outros, conhecidos ou desconhecidos. Em coisas muito pequenas como são as nossas, reconhecemos a importância de um pai ou de uma mãe, de um membro da família para todos os outros membros da família; compreendemos como é decisiva qualquer pessoa no seu campo de trabalho, na sua atividade profissional, na condução dos estados e nações, na edificação da Igreja, na edificação da justiça e da paz.
Num plano humano, sempre que alguém põe amor na sua vida, arrasta consigo muitos outros pela senda do amor e torna o mundo um pouco melhor. O amor de alguém nunca fica só nem estéril, mas é sempre criador e redentor, mesmo que isso, no imediato ou mesmo para sempre, possa ficar invisível aos seus olhos.
No plano da fé cristã, sempre que alguém professa a sua fé na paixão, morte e ressurreição de Jesus e se une à oferta da Sua vida, torna-se participante da Sua obra de redenção da humanidade. Acreditamos, por isso, que a vivência da nossa fé nunca é um ato irrelevante para a humanidade. Acreditamos que o ato de crer é um ato de gratidão a Deus, e acreditamos que o ato de crer é, ao mesmo tempo um ato de amor à humanidade, é um ato redentor.
Muitos ou poucos, unidos a Cristo, assumimos sempre que a nossa vocação de dar a vida, nos torna sinal da sua graça e misericórdia para crentes e não crentes. Com os irmãos na mesma fé e no mesmo batismo, procuramos viver em comunhão; com todos os outros procuramos ser solidários no amor, caminhando com eles nas suas alegrias e dores, mas também rogando por eles ao Pai.
Por um só Homem, o Crucificado elevado sobre a terra, veio a salvação. Agradecidos, adoremos e louvemos a Santa Cruz pela qual remiu o mundo.
Coimbra, 29 de março de 2024
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra