Clientes ou Discípulos?

Pe. Vítor Pereira, Diocese de Vila Real

Padre Vitor Pereira, Diocese de Vila Real

No Angelus do dia 6 de julho, o Papa Leão XIV afirmou: “A Igreja e o mundo não precisam de pessoas que cumprem os seus deveres religiosos mostrando a sua fé como um rótulo exterior; precisam, pelo contrário, de operários desejosos de trabalhar no campo da missão, de discípulos apaixonados que testemunhem o Reino de Deus onde quer que estejam. Talvez não faltem os “cristãos de ocasião”, que só de vez em quando dão lugar a algum sentimento religioso ou participam em algum evento; mas poucos são aqueles que estão prontos a trabalhar todos os dias no campo de Deus, cultivando no seu coração a semente do Evangelho para depois levá-la à vida quotidiana, à família, aos locais de trabalho e de estudo, aos vários ambientes sociais e àqueles que se encontram em necessidade.”

Infelizmente, temos muitos cristãos de ocasião, que só têm fé para certas ocasiões, que andam desaparecidos durante todo o ano da vida da comunidade e aparecem agora nas festas, nos batizados e casamentos de Verão. Todos são bem-vindos, certamente, e a Igreja é de todos e para todos, sem dúvida, mas há que dizer a estes cristãos que não é assim que se é cristão e está-se a viver de forma errada a condição de discípulo de Cristo e membro da Igreja. O primeiro capítulo da Constituição Dogmática Lumen Gentium do Concílio Vaticano II sublinha um dado fundamental: a Igreja é um mistério de comunhão com a Santíssima Trindade. A Igreja é uma comunidade de irmãos alicerçada e unida a Jesus Cristo, no mesmo Espírito, que aceita viver num mesmo amor, caminhar num mesmo sentido e num mesmo caminho e partilhar a vida e os bens da vida para bem de todos, à imagem da comunhão profunda e santa que reina no seio da Trindade. Assim sendo, aceitar ser cristão é abandonar o individualismo e o egoísmo (eis a verdadeira conversão) e abrir-se à comunhão com Deus e com a Igreja, é assumir livremente a condição de batizado e comprometer-se a seguir Jesus Cristo, na e com a Igreja, vivendo como seu discípulo e membro ativo e participativo da Igreja.

Muitos cristãos, ou por falta de formação, ou incapazes de se desligarem da cultura e da mentalidade deste tempo, marcadamente individualista, ou até por comodismo, manifestam não entender a dimensão comunitária da sua fé cristã. Só tem sentido aceitar ser cristão se se está disposto a viver em comunhão com a Igreja e a caminhar em Igreja. Infelizmente muitos cristãos julgam que se podem chamar de cristãos só porque tem o seu nome no livro de batismos ou porque concordam formalmente com os princípios e os valores da doutrina e da práxis da Igreja, sem se importarem minimamente com a vida da Igreja e de viverem em comunhão com a Igreja, querendo viver sempre ao sabor dos seus interesses, gostos e conveniências. Quem assim pensa e vive não tenha dúvidas de que vive numa relação ilusória com Jesus Cristo e vive erradamente a sua fé cristã.

Há uma consequência clara desta mentalidade que se entranhou no espírito de um bom número de cristãos estivais: a Igreja não é a sua comunidade e a sua família, colocada no centro dos seus interesses e da sua vida, com a qual e para a qual se procura viver, mas é antes uma prestadora de serviços e bens para quando convier. Muitos cristãos não são discípulos de Cristo e membros da Igreja, são clientes da Igreja, que não se interessam da Igreja, nem se importam de viver em comunhão com a Igreja, e que, quando muito bem lhes interessar, batem à porta da Igreja para obterem bens ou serviços religiosos e espirituais para consumo individual, sacramentos para reunir a família e os amigos (temos cristãos que pedem batismos e matrimónios e nunca mais aparecem), porque toda a oportunidade de fazer festa é imperdível e fica mal não cumprir a tradição, ou para solicitarem qualquer outra coisa para ultrapassar dificuldades e problemas. São cristãos que se servem da Igreja, mas não querem ser e viver em Igreja.

Tudo isto é uma grave deturpação da vivência da fé cristã. Jesus Cristo quer uma Igreja de discípulos, que verdadeiramente o querem amar e seguir todos os dias e se dispõem a viver em comunhão com Ele e uns com os outros, e não uma Igreja de clientes, que querem bens de Deus para comodamente viverem para si, sem vontade e disposição de caminhar e viver em comunhão com os outros. É preciso acabar com o espírito clientelista dentro da Igreja.

A Igreja é para todos, todos, todos, mas para todos que de facto queiram ser discípulos de verdade de Jesus Cristo, ser membros comprometidos na vida da Igreja, todos que queiram fazer do Evangelho a fonte e alimento da sua vida e que estão dispostos a colaborar na missão da Igreja.

Pe. Vítor Pereira, Diocese de Vila Real

(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.)

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