Cinema: The master – O Mentor

Longe vão os tempos das curtas ‘The Dirk Driggler’ (1988) e ‘Cigarrettes and Coffee’ (1993), suas primeiras experiências de realização que originariam ‘Jogos de Prazer’ (1997) e ‘Passado Sangrento’ (1996), respetivamente – ambos merecendo rasgados elogios da crítica a partir de Cannes e Sundance, destacando no último o interess de Paul Thomas Anderson pela mente humana.

Duas décadas mais tarde, após ‘Embriagado de Amor’ e ‘Haverá Sangue’, ‘The Master- O Mentor’é a mais impressionante prova do fascínio do realizador pela complexidade da mente e do espírito humanos, numa abordagem extraordinariamente sensível e ao mesmo tempo crua sobre a possibilidade, não declarada, de salvação da alma.

Numa sequência de abertura notável, Freddie Quell (Joaquin Phoenix)é um homem à deriva:  entre o serviço militar naval em plena II Guerra, o emprego numa quinta e outro como fotógrafo, Freddy evidencia-se impetuoso e fragilmente primário, dependente do alcool, com uma fixação psicossexual perturbante e um frágil intelecto, reagindo violentamente à contrariedade.

Numa das suas muitas deambulações noturnas que acabam erraticamente a bordo dum barco, conhece Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), carismático líder dum sistema de culto, ‘A Causa’, que imediatamente se interessa por este ‘caso’. Inicia-se um processo exaustivo em torno da evocação da vida de Quell e da possibilidade de libertá-lo dos mais íntimos e assombrosos demónios, na perspetiva de lhe devolver a plena humanidade. O processo, em que se imiscui a adoção de Quell no seio da família e da organização Dodd é longo, penoso e os métodos usados questionáveis.

Não explícita mas implicitamente conotado com a cientologia, ‘The Master – O Mentor’ interessa menos pela polémica que esta questão levanta do que pela cuidadosa forma como expõe por um lado a fragilidade e o sofrimento humanos, magnificamente encarnados por Joaquin Phoenix e muito assentes no abandono afetivo, e por outro os aturados processos que se criam, com ou sem culto, benefício colateral e

pessoal (que aqui é grande), na presunção de conceder a alguém a sua integral humanidade. Neste caso, recorre-se à hipnose e a métodos repetitivos, conjugados com uma ideia de pertença aplicados, ou infligidos, a um homem que caminha como um primata e se aposta poder transformar num ser ‘normal’.

É notável a realização de Anderson e o trabalho de equipa, numa obra bem estruturada e contextualizada, apaixonante, difícil e inquietante, com excelentes desempenhos. Sem pretensão a conclusões, o filme deixa em aberto um rol de questões em que se impõe a de ser possível a plena humanidade num processo ou vida que exclui o Amor…

Margarida Ataíde


 

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Agência ECCLESIA

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