Cinema: TAXI DRIVER – a tragédia humana e o desejo de redenção

Trinta e seis anos depois da estreia, ‘Taxi Driver’ regressa aos cinemas portugueses em versão (digitalmente) restaurada e naturalmente engrandecida por um reconhecimento cinematográfico de que Martin Scorsese não gozava há décadas atrás. Gozaria sim da expetativa dos cinéfilos mais atentos, a Cannes e aos Oscars para que o filme acabara de ser nomeado mas, sobretudo, a ‘Uma Mulher da Rua’ (Boxcar Bertha) e ‘Alice já não Mora Aqui’ (‘Alice doesn’t live here anymore’) os primeiros filmes do realizador a chegar, tardia e moderadamente, aos nossos ecrãs.

‘Taxi Driver’, primeira Palma de Ouro arrecadada por Scorsese na Riviera Francesa, explora de forma única a inquietude de espírito magnificamente encarnada por Robert De Niro, no papel de Travis Bickle – um motorista de taxi que percorre as noites de Nova Iorque como um fantasma assombrado pela insónia, a solidão e a experiência traumatizante do ódio e desamor na guerra ( Vietname) incapaz de cumprir um profundo desejo de reconciliação com os outros, de redenção de si próprio e de encontrar uma identidade, um sentido de justiça e de vida ajustado à implacável realidade urbana que o envolve.

O isolamento e a desestruturação afetiva e relacional começarão por se revelar na forma desajeitada com que tenta aproximar-se de Betsy (Cibyll Shepherd), atraído pela sensualidade e candura desta dedicada colaboradora de uma campanha presidencial, que em nada se coaduna com os redutos onde Travis procura (falsas) reminiscências ou expetativas de afeto – por exemplo, a pornografia –; e acabarão por atingir um trágico clímax na forma obsessiva como tenta proteger Iris, uma prostituta adolescente com quem se identifica, num derradeiro e desesperado ato de salvação – dela, de si e do degradante mundo em que vive mergulhado.

Numa atmosfera em que realismo e irrealismo jogam um jogo simultaneamente dramático, profundamente triste e fascinante, ‘Taxi Driver’ é uma obra imperdível do cinema que, longe de se circunscrever a um retrato psicológico inquietante, ou à mestria de um cineasta ou ator (o argumento de Paul Schrader e a direção fotográfica são alicerces sólidos na construção do filme) regista e reflete um período da história dos Estados Unidos com uma profundidade e originalidade assinaláveis. Do mesmo modo, nos dias de hoje, mais do que um olhar sobre o passado do cinema ou da própria história, ‘Taxi Driver’ é, pelo menos, um convite renovado à reflexão sobre a facilidade com que se vive fantasmagoricamente incógnito entre uma multidão e, no que nos toca particularmente, como é sempre urgente e nunca suficiente olhar o próximo… criar, estreitar e manter laços.

Margarida Ataíde


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