Cinema: Rugas

É o regresso do desenho animado ao grande ecrã e a adaptação cinematográfica da famosa banda desenhada do espanhol Paco Roca, vencedor, entre outros, do Prémio Nacional de BD 2008.

Inicialmente editada em França, a banda desenhada que origina o filme agora em estreia, partiu de uma ideia mais ‘radical’ do seu autor, com um grupo de idosos cheios de energia que planeiam assaltar um casino. Apesar de tudo, o seu empenho em focar as preocupações fundamentais da velhice foi grande e Paco Roca, também inspirado pelos próprios pais, dedicou-se a aprofundá-las, designadamente no que respeita à perda progressiva das capacidades físicas e mentais e ao seu impacto, não só  no estado de espírito de quem sofre perdas significativas a esses níveis, como no dos seus familiares ou cuidadores.

Satisfazendo as exigências do editor francês, o primeiro a interessar-se por esta banda desenhada, Paco Roca viu-se obrigado a eliminar alguns elementos presentes na proposta inicial a fim de facilitar a comercialização da banda desenhada em França. Foi o caso de um crucifixo. Perdas estas mais tarde recuperadas, aquando da sua publicação em Espanha, onde a banda desenhada ganha o título ‘Rugas’, que o filme agora também adopta.

‘Rugas’ começa por nos contar a história de Emilio, que na sua idade avançada manifesta os primeiros sinais de Alzheimer. O progressivo alheamento perante quem e o que o rodeia, aliado a uma incapacidade para lidar com a situação, levam a família a optar por interná-lo num lar de terceira idade. A história cresce, em dimensão e em relação, para o conjunto de personagens que habita o lar, transformando-se aos poucos numa tocante e divertida história de construção de comunidade. Nela, cabem as cumplicidades, as zangas,

dificuldades e alegrias próprias dos amigos que se vão descobrindo, a todo o tempo na vida. Vencendo o medo de um amanhã incerto e as contrariedades do dia-a-dia com a capacidade de valorizar o melhor que cada dia lhes traz.

Com um argumento que equilibra bastante bem os aspetos mais duros e mais suaves da fase de vida em questão, ‘Rugas’ é uma gentil abordagem cinematográfica capaz de, mesmo sem grande rasgo técnico ou artístico, nos sensibilizar para o universo da terceira idade. Mostrando o que este pode significar no contexto de um lar – quando na fase final da vida e sob vulnerabilidade de ordem diversa, se é ‘desafiado’ a tecer novas relações fora da rede afetiva da família que até aí se construiu. Mas também como este desafio não implica perder património construído, antes integrar três tempos indissociáveis numa vida: passado, presente e futuro, independentemente da dimensão temporal de cada um.

Uma proposta interessante, que conta com versão dobrada em português (com vozes bem conhecidas da televisão) e se presta a partilhar, precisamente, em família ou comunidade.

Margarida Ataíde

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