Aaron nunca se sentiu genuinamente integrado na comunidade em que nasceu e cresceu. Na remota aldeia piscatória do norte da Escócia, a sua natureza e a sua forma de se relacionar não correspondem aos padrões da maioria dos seus vizinhos.
A situação agrava-se quando Aaron é o único sobrevivente de um acidente ocorrido no mar onde, entre outros, o seu próprio irmão desapareceu. Vítima da mal disfarçada indignação e desconfiança dos próximos que ora lamentam a perda de vidas mais valiosas do que a sua aparenta ser ora lançam suspeitas sobre a forma como ocorreu o desastre, vítima do seu próprio sentimento de culpa e do enorme desgosto que a morte do irmão lhe provoca, os dias de Aaron tornam-se cada vez mais pesados. Condenado a um naufrágio afetivo porventura mais doloroso do que o sofrido no mar
Incapaz de recuperar a memória do sucedido e incapaz de aceitar a morte do irmão, Aaron decide enfrentar de novo o mar e perante este, a sós, reclamar o que brutalmente lhe retirou.
É o início de uma viagem e de um diálogo, visual e íntimo, em busca de uma identidade perdida.
De origem escocesa e evocando sempre algo de biográfico nos seus filmes, Paul Wright, na sua ainda curta carreira de realizador e argumentista, tem manifestado particular interesse por temas que rondam a busca do sentido da vida, mesmo em registos diferentes com referências peculiares à existência de um deus peculiar e marcante na sua filmografia. Na curta metragem ‘Until the River Runs Red’ (Até que o Rio corra Vermelho), de 2010, Chloe é uma adolescente em viagem, filha única de God, que atravessa as belas paisagens escocesas na ânsia de encontrar o mítico ‘rio vermelho’; uma caminhada que pouco a pouco expõe uma terrível verdade escondida. ‘Believe’ (Crê), mergulha no processo de luto de um homem que procura lidar com o profundo desgosto causado pela morte da mulher.
Com cada uma das suas ainda poucas obras têm sido reconhecidas quer em festivais quer por prémios do cinema, como os prestigiados BAFTA, da Academia Britânica de Cinema, Locarno, Berlim ou Miami, Wright estreia nos ecrãs nacionais, em distribuição moderada, com ‘Por Aqueles em Perigo’.
Uma viagem de luto, reconciliação e descoberta, ‘o filme explora razoavelmente as potencialidades do cinema, quer pela envolvência visual que nos oferece quer pela intimidade conseguida entre protagonista e espetador.
Embora notória a alguma imaturidade na construção narrativa, particularmente revelada na forma como gere a densidade de alguns planos, sequências e personagens, para início de carreira Wright mostra-se promissor. Um profissional e criador a quem se pode desejar que não sucumba à tentação de fazer da existência, que tanto o preocupa e interessa, mais um caminho que um ofício.
Margarida Ataíde