Cinema: O Portugal de João Canijo

Estreou na quinta-feira passada e já foi visto por 3331 os espectadores. Do Festival Internacional de San Sebastian  “Sangue do meu Sangue” trouxera já a nomeação para a prestigiada Concha de Ouro, e a escolha do júri FIPRESCI (Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica), este ano presidida por um português.

Num bairro pobre e periférico de Lisboa, Márcia, 42 anos, cozinheira a trabalhar para o namorado, bom amigo, desdobra-se para suster casa e família: uma irmã, de dia esteticista, de noite a extravazar mágoas num bar noturno de karaoke; a filha Cláudia, caixa de supermercado, estudante de enfermagem e noiva de César a quem a vida parece encaminhar o futuro que Márcia desejou aos filhos; e finalmente Joca, 18 anos, a quem contas feitas com a justiça não demoveram de arriscar nos negócios ilícitos da droga.

O espaço da casa é tão exíguo como os recursos necessários para reestruturar o código e registo desta família presa ao fino e forte fio, persistentemente tecido, por Márcia.

Um dia o fio solta-se e há que deitar a mão a todos. Mais uma vez.

Para quem conheça o trabalho de João Canijo, não é difícil imaginar que “Sangue do meu Sangue” traz à tona o elemento profundamente trágico de um mundo que, depois de provinciano (Noite Escura), rural (Mal Nascida), histórico ou temporal (Alma Lusitana) é agora urbano. Os contextos pertencem consensualmente à categoria espacio-temporal de submundo. As imagens são cruas e reais, violentamente reais, e por sempre tratarem o submundo e sempre mais o seu lado asqueroso que Humano (com o h maiúsculo que as novas regras gramaticais não podem mesmo tirar), deles não se pode esperar qualquer idílio. Nem tinha que o ser. A técnica cinematográfica é boa.

Mas é importante questionar: tratam-se de filmes periféricos ou nevrálgicos? Falamos de Portugal, ou de um certo Portugal? Permanecemos na humilhação conceptual e visual da mulher? É sempre certo o incesto? É obrigatório um lugar narrativo menor às relações significantes, ao puro afeto, ao belo, à esperança, a um caminho?

Margarida Ataíde

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