Cinema: Num Mundo Melhor

O título dinamarquês sugere “Vingança”, mas o marketing internacional optou por transformá-lo em algo, de antemão, positivo, dando a “Heaven” o significado de “Um Mundo Melhor”.  Uma opção que faz sentido numa obra que, efetivamente, prioriza a esperança e pretere a tónica destrutiva de uma má motivação.

Christian, adolescente, perde a Mãe numa luta inglória contra o cancro. Antes que seja capaz de fazer o luto ou sequer aceitar tão duro golpe na sua vida, muda-se para casa da Avó, numa cidadezinha onde passa a viver, maioritariamente, por sua conta.

Elias, com um irmão bem mais novo, passa pelo recente processo de separação dos pais,  ambos médicos – ele em missões intercaladas num campo de refugiados algures em África; ela no hospital local. O que mais o atormenta, porém, é o “bullying” de que é alvo na escola e de que escapa como pode.

No entanto, Christian  surge na vida de Elias e imediatamente se dispõe a aplicar a energia de uma raiva incontida em defesa do novo amigo. Confundidos os  princípios que baseiam esta amizade, ela depressa se transforma num campo fértil para uma escalada de violência…

São vários os filmes que se popularizaram este ano pela forma como exploram  a muito humana coexistência e gestão do Bem e do Mal, da Vida e da Morte (física e espiritual), do sofrimento e sua ausência: entre esses, uns mais empenhados na dicotomia violência/caridade e no elogio da abnegação, como “Dos Deuses e dos Homens”; outros, esgravatando a mais óbvia fealdade social, económica e pessoal e, ainda aí, encontrando genuína beleza e poesia – caso de “Biutiful”.

“Num Mundo Melhor”,  num modo escandinavo de ser que a nossa identidade latina talvez estranhe, está mais próximo deste último caso e não necessariamente pelo facto de com ele ter competido (e ganho) na corrida ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

De facto, o filme da dinamarquesa Susanne Bier, que há muito escolheu este tipo de abordagem, percorre os limiares do sofrimento humano, que tanto mora entre o ar poeirento que os refugiados de uma prepotente chefia africana respiram, como nas límpidas paisagens que aproximam as civilizadas Suécia e Dinamarca.

Um sofrimento que apela, pelo grito ou pelo silêncio, a um outro entendimento entre as pessoas: o que nos leva a ir além de nós próprios e a abrir portas ao Outro e ao Amanhã!

Margarida Ataíde

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